Paulo 02/12/2021
Este é um volume de transição mostrando o surgimento de uma nova força dedicada a eliminar Kagehisa e o Ittou-ryu: o Mugai-ryu. O leitor pode acompanhar algumas boas discussões neste volume como o caminho da espada e o ciclo da vingança. Só que achei este terceiro volume um pouco abaixo dos anteriores, além da arte não ser tão impressionante assim, mesmo com a alta qualidade do traço do Samura. Me incomoda um pouco quando um autor coloca um acontecimento que irá acontecer de forma iminente e este demora várias edições para acontecer. Não me importo quando a ideia é dar uma expectativa maior a isso, o problema é quando passa do ponto. Temos quase dois volumes BIG inteiros (quatro volumes tanko) para acontecer a tal viagem do Kagehisa para Kaga que parece nunca acontecer (me faz lembrar de um certo alienígena destruindo um certo planeta distante ao enfrentar o protagonista de um famoso mangá shounen que tem nome de eletrodoméstico). Enfim, a segunda metade deste volume BIG engrena os acontecimentos um pouco mais, mas são mais de duzentas e cinquenta páginas até alguma coisa efetivamente acontecer.
Terminamos o volume anterior com a chegada de Renzo, filho de Araya, quando Manji terminava seu duelo. De forma inteligente, Manji tira Rin da jogada dizendo que ele havia sido o responsável pela morte de Araya e o menino acaba matando-o em um momento de fúria. Depois de armar uma espécie de enterro, Rin conversa seriamente com Renzo para tentar aplacar sua sede de vingança. Enquanto isso surge o Mugai-ryu, um grupo de espadachins e marginais que desejam eliminar o grupo de Kagehisa a todo custo. Utilizando-se de todo e qualquer tipo de estratagema para alcançar seus objetivos. E eles querem a ajuda de Manji de qualquer jeito mesmo que precisem forçar uma "amizade". E Kagehisa recebe uma proposta do xogunato que é irrecusável, mas vai causar um racha em seu grupo.
Percebi nesta terceira edição o quanto Samura tem um pouco de dificuldade em lidar com momentos mais parados da narrativa. Seu traço que é incrivelmente poderoso perde a intensidade e o frescor quando precisa apresentar um diálogo simples ou um momento de discussão entre pares. Para representar estes momentos, Samura usa a passagem de ação para ação entre quadros, mas este parece meio estranho. É como se você passasse sempre de rosto para rosto e só alterasse a angulação do mesmo, acrescentando um balão de diálogo. Quando duas pessoas passam conversando por muitas páginas a fio, toda a cena parece morosa. Goseki Kojima, artista por trás de Lobo Solitário, usa tomadas interessantes de câmera sejam abertas ou mais próximas, de forma a variar a cena. É uma maneira de escapar dessa armadilha que é o diálogo entre duas ou mais pessoas. Caso contrário fica parecendo que são apenas cabeças falantes. Mesmo se você mostrar o personagem deitado no tatame ou fumando, a cena não ganha agilidade.
Por outro lado a narrativa continua bastante afiada e nesse volume temos algumas boas discussões. A primeira delas tem a ver com o ciclo de violência, algo que já perpassava o volume anterior e também faz parte desse. A morte de Araya pelas mãos de Manji e o testemunho de Renzo fazem Rin se questionar acerca de suas próprias motivações. Isso porque ela começou a pensar nas pessoas que são envolvidas em todo esse processo. Quem ela mata ou é [*****]mplice de seu assassinato possui família ou entes queridos que vão buscar sua respectiva vingança. Isso faz desse processo de morte e vingança algo sem fim. Sempre vai ter alguém em busca de sua devida retribuição e não há como impedir isso a menos que alguém abandone sua jornada. O que Manji coloca para Rin é que não há como evitar esse tipo de situação ainda mais sabendo com que tipo de pessoas eles estão lidando. Se Rin começar a pensar em cada pessoa que ela vai afetar durante sua jornada, ela não vai sair do lugar. E a menina começa a entender isso. E que ela precisa se tornar mais forte no processo.
Isso nos coloca na segunda grande discussão deste volume que é o caminho da espada. Temos três caminhos diferentes um do outro sendo abordados aqui. Todos são conflitantes e não tem como coexistirem. De um lado temos o Ittou-ryu que foi criado com o objetivo de fortalecer a arte da espada. Eles criticam um dogmatismo prejudicial ao desenvolvimento do samurai. Na visão de Kagehisa um espadachim deve escolher qualquer caminho que o agrade e o leve à vitória. Os dojos se tornaram lar de pessoas acomodadas diante de um governo estável e levaram ao surgimento de técnicas tolas e sem uso real em um combate sério. Nem toda forma escolhida por um espadachim vai ser honesta e direta. Por essa razão é que o Ittou-ryu combina mais com uma abordagem militar do samurai e não é estranho Kagehisa ter sido abordado pelo governo do jeito que foi.
Por outro lado, Shira é um assassino a mando do Mugai-ryu. Um homem forjado na vida dura de um mercenário e cuja ética foi distorcida por anos sendo moldado pela satisfação da lâmina na carne. Em seu estilo não há honestidade, mas é diferente do que Kagehisa propõe. Enquanto o Ittou-ryu propõe uma mudança filosófica, os membros do Mugai-ryu são meros bandidos, cujo estilo de espada favorece encher os bolsos. Com Rin em uma encruzilhada para entender como manusear sua espada, a presença de Shira é agressiva e não natural. Na visão dele e de outros membros de seu grupo, a vida não tem valor e não passa de um brinquedo a ser apreciado ou jogado fora. Se o caminho de Kagehisa é o do guerreiro, o de Shira é o de um assassino, algo que é visível pelo seu próprio olhar frio e displicente. A melhor definição da visão de Shira sobre o mundo que o cerca é quando ele mostra a cabeça cortada de um cachorro (não vou explicar a cena toda).
Outro bom debate é sobre a origem da força de um espadachim. Algo que também tem sido abordado de uma maneira bem sutil nestas edições. Mesmo não concordando com seus métodos, a reação inicial de Rin era a de que Shira era um homem poderoso e experiente. Mas à medida em que ela foi convivendo com ele e testemunhando seus feitos, ela começa a ter dúvidas de sua concepção. Mais para o final desse volume um personagem diz que para se obter uma força verdadeira é preciso estar disposto a abandonar aqueles que ama ou seus ideais. Um homem poderoso é solitário porque precisou se tornar um monstro. E é nesse momento que Rin faz um paralelo entre o caminho seguido por Shira e o de Manji. São dois polos opostos: enquanto Shira se diverte com o processo de matança e retira um prazer primitivo disso, Manji está em busca de redenção pelos males que ele fez no passado. Mesmo não sendo uma pessoa virtuosa, Manji compreende que matar é algo que precisa ser feito com um propósito justo. Ao jurar lealdade a Rin e seus objetivos, ele quer protegê-la de se perder no caminho. De sua vingança se tornar pura raiva e ódio.
Sem falar que temos a misteriosa Hyakurin que parece ser a mais ponderada entre os membros do Mugai-ryu. Apesar de vermos que ela não tem lá muitos escrúpulos para atingir seus objetivos. Seus jogos mentais procuram desestabilizar aliados e inimigos, mas percebemos desde o começo uma profunda tristeza em seu olhar. Durante alguns diálogos que ela tem com a Rin, isso fica ainda mais evidente. Por enquanto não sabemos muito a respeito dela, apenas que ela parece ter um trauma profundo em seu passado que a liga ao Ittou-ryu.
Esse foi um volume mais morno em relação aos dois primeiros, mas serviu para colocar mais um inimigo na jogada. O quanto ele será importante para o duelo com o Ittou-ryu só o tempo dirá. O autor usou esse volume também para nos mostrar caminhos da espada que são divergentes e o quanto a Rin pode aprender com isso. A arte desta edição me decepcionou um pouco, salvo pelos últimos capítulos. Senti uma dificuldade do autor em lidar com momentos mais pacatos. Mesmo assim, ele sempre consegue entregar uma arte linda pela técnica pura de usar lápis e pincel. No mais, quero descobrir o que aconteceu com o Kagehisa na próxima edição. Vamos esperar para ver!
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