Geison 29/04/2020
Ano passado completou 30 anos desde a queda do muro de Berlim e reunificação da Alemanha. Para entender melhor o assunto comecei por um livro do Michael Meyer, "1989: o ano que mudou o mundo". Mesmo depois da leitura senti que ainda faltava algo. Seu livro enfatiza entrevistas com proeminentes políticos ou com os ditos "protagonistas" de toda aquela revolução. Mas eu precisava saber os acontecimentos do ponto de vista do alemão comum. Então eu realmente encontrei o que buscava nesse livro da escritora australiana Anna Funder.
Hoje em dia, reunir testemunhos de pessoas comuns para relatarem acontecimentos históricos que mudaram suas vidas não é considerado original. Mesmo assim, essa abordagem literária ainda continua muito interessante."Stasilândia", reúne testemunhos de pessoas que tiveram suas vidas destruídas pelo regime da finada República Democrática Alemã (RDA), seja pela censura ou pela perseguição do governo. Por meio desses mesmos depoimentos é possível traçar um panorama da sociedade alemã oriental, do ponto de vista cultural, político e histórico.
O livro é realmente muito bom, pois consegue nos comover com histórias reais de pessoas que foram separadas pelo muro, que foram violentadas ou torturadas pelo regime. A autora ousou procurar entender os “dois lados da moeda”, entre algozes e vítimas, mas não caiu no erro de solidarizar-se com os vilões. O que funcionou na RDA foi uma espécie de contrato social que consistia em ceder a liberdade e direitos fundamentais a troco de subsídios do Estado. Valia mesmo a pena? De fato, existia uma qualidade de vida naquela república alemã, pois o Estado garantia emprego, educação e saúde gratuitas para população. Apesar desses benefícios, o governo não deixava de ser um regime totalitário que pouco se importava com os trabalhadores. O famigerado socialismo de discurso.
A Stasi, que dá nome ao livro, funcionava como uma espécie de polícia secreta que vigiava e delatava os inimigos do Estado. Essa instituição era o principal braço do regime e contava com uma infinidade de informantes, além de métodos científicos de organização e tortura. Dessa forma, a sociedade alemã oriental era um verdadeiro Big Brother. As punições dependiam das infrações: violar as fronteiras alemãs ou conspirar diretamente contra o governo era gravíssimo, mas até piadas públicas contra o líder do Partido Comunista eram passíveis de punição. Nas cadeias os presos sofriam constante violência psicológica e física, eram privados do sono ou sofriam interrogatórios que duravam quase um dia inteiro. Mesmo quando libertados, os presos políticos continuavam sendo monitorados e sofriam represálias.
Após a reunificação, os arquivos da Stasi foram abertos e a população finalmente pôde saber porque tiveram suas vidas ou sonhos furtados. Muitos descobriram que tiveram suas casas espionadas e sua privacidade invadida. Descobriu-se que quase toda a população esteve sob vigilância, mas boa parte boa parte dos arquivos foram destruídas e muito foi perdido.
Infelizmente, após o colapso do governo comunista, integrar-se à sociedade capitalista e globalizada custou caro aos ossies – como eram chamados pejorativamente os alemães orientais. Muitas empresas foram privatizadas e trabalhadores demitidos, descobriu-se, então, que o capitalismo também era uma decepção: salários baixos, aluguéis caros e desemprego. A frustração e competição nutriu sentimentos de extremismos e saudosismo no leste alemão. Não é toa que nessa região concentra-se a maioria dos crimes de ódio e xenofobia contra imigrantes.