R...... 16/07/2017
Edição Martin Claret - 2002
Machado de Assis apresenta-nos sua quinta coleção de contos, publicada em 1896, reunindo textos de prazerosa leitura. Dezesseis ao todo, com uma parte já conhecida pelo público, a quem instiga com a afirmação de, em termos gerais sobre os contos, terem algo que os torna superiores aos romances, e se alguma coisa tiverem de medíocres, é o fato de serem curtos. Eita! Confiante o rapaz, né! Mas também, com obras tão especiais extraindo preciosidades do cotidiano, difícil não curtir algo.
Hoje dei uma conferida em "Uns braços". Fala de platonismo, de amor juvenil latente, explicitando algo ingênuo e sensual. Vemos em Inácio uma experimentação de arroubos de contemplação, desejo e devaneios. A narrativa foi envolvente em minha leitura e o tal beijo combinado de sonho e realidade é o ápice de maneira sensacional. Ah, um sonho desse também queria, e todo dia.
Em 18/07/17
"A causa secreta" é um conto sinistro, com um quê de terror que impacta o leitor. O que me atraiu mais foi o fato de explicitar velados interesses egoístas, que na história se disfarçam em um pretenso benfeitor. Tudo nele se dispõem a satisfazer seus desejos sádicos, não se importando com nada a não ser uma próxima oportunidade. O cara tem alguma psicopatia, delirante na contemplação da dor e sofrimento alheio (seja de amigo, esposa, algum animal ou alguém que tenha sido alvo de suas benfeitorias). Machado tira o glamour idealizado costumeiramente sobre algumas coisas (o prestígio de médico, riqueza e pretensa benfeitoria) para reduzir tudo à visão apenas do caráter humano - a perspectiva principal. Oras, não deveriam ser as coisas sempre assim... Acredito que é o ponto principal do conto.
A história pode ser inusitada no desenrolar doentio de Fortunato, mas o que se mostra é algo presente no mundo de glamour e de farsa como o da politicagem hoje. Que coisa nojenta acompanhar o andar de certas votações... Causas secretas como se revelam no conto.
Em 19/07/17
"Conto de escola" - Estou lendo em paralelo à outros livros de Machado, onde deixei minha percepção dessa história. As edições da Martin Claret, no meu caso, são menos importantes que as edições da série Bom Livro da Ática (mas aquelas dos anos oitenta, com páginas amareladas, cheias de identidade, que vou encontrando e privilegiando na leitura). Aproveito então e deixo em registro apenas uma bobagem (a mais). Como nortista, percebo uma visão preconceituosa com o vocabulário daqui. Tai uma novela da atualidade que tem colocado o nosso "égua!" como algo estapafúrdio sendo ridicularizado. De outra feita usei a palavra "mofino" em uma cidade badalada e foi também alvo de "olhares superiores", tipo um sinônimo de provincianismo - a "cabocagem" no popular. Eita! Encontro agora "mofino" nesse conto, como palavra conhecida e valorizada pelo maior escritor de nosso país. KKKK! Cabocagem de uns, ignorância de outros... Falei que era bobagem, mas não quero esquecer isso.
Em 20/07/17
"Um apólogo" - Meu conto favorito. Li em outra edição e deixo em registro uma ótima animação eventualmente exibida na TV escola, talvez disponibilizada no YouTube. Vale muito a conferida.
"A cartomante" - Conto que li também em outra edição. Machado chamava a atenção para o charlatanismo. Coisa em que os amantes Rita e Camilo encontraram alívio em suas angústias, devido as previsões positivas relatadas pela cartomante. Triste para eles, pois enganando-se a si mesmo, nem tiveram tempo de reagir à tragédia que os abateu.
Em 21/07/17
Terminei hoje a leitura.
"Entre santos" é surreal. Machado usa um inusitado diálogo de santos em uma igreja para mostrar a hipocrisia presente em muitos que a frequentam. O destaque vai para a avareza, contada em uma história medonha por um dos santos. A cena é presenciada em uma noite pelo capelão e fica a questão do que é mais atemorizante, a visão do sobrenatural ou o conhecimento da sordidez humana. Foi isso que o conto me falou...
"Um homem célebre" tem humor melancólico. O sujeito tenta fazer algo primoroso, fora dos talentos naturais em destaque que tem. Não se pode negar os sonhos, mas também é certo que nem sempre corresponderão às expectativas. O músico Pestana se afundou em melancolia e frustração diante disso.
"A desejada das gentes" e "Trio em lá menor" tem algo parecido relacionado ao protelamento de decisão diante da oportunidade. Caminha por aí... São protagonizados por mulheres cobiçadas, mas com histórias mostrando uma decisão tardia. No primeiro, Quintília, avessa ao casamento e aos admiradores ao longo da vida, contraiu núpcias à beira da morte, consumando-a em um único e derradeiro abraço. O segundo traz o amor de Maria Regina sendo disputado por dois pretendentes que, na indecisão demorada da moça, acabam se afastando dela para sempre.
"Adão e Eva" tem humor ácido de Machado através da religião. Em uma reunião de amigos surgiu a dúvida de quem seria mais curioso, o homem ou a mulher... Um sujeito conta uma história supermirabolante e profana numa visão distorcida sobre a história da criação. Causa abalo e rejeição, mas certamente atraíra e prendera a atenção de todos. Deu para sacar o lance? Gênero nada, coloquemos a coisa no patamar de identidade humana. Foi o que percebi no conto.
"O enfermeiro" - Não é uma história bonita. Tem sordidez buscando justificativas para os atos pérfidos, com desenrolar que prende a atenção do leitor. Procópio é o protagonista e o que vemos é um ato insano que praticou, racionalmente injustificável (esganou e matou um coronel rabugento para quem trabalhava), em que vai diminuindo o impacto de culpa cercando-se de justificativas pessoais, principalmente por só ele saber a verdade do ocorrido e não ter que prestar contas. É muito interessante essa questão. Realmente, fácil usar pele de cordeiro quando ninguém conhece os fatos pérfidos em segredo. Conto excepcional.
"O diplomático" - Tem a mesma linha de outros no sentido de mostrar pessoa que perde a oportunidade de algo realizador por tardar uma decisão. Aconteceu isso com Rangel em seu amor por Joaninha. Embora interessante, achei o desenrolar chato.
"Mariana" - Rapaz! Acho que a sociedade daquela época era cheia de traição e infelicidade conjugal porque vira e mexe e o Machado conta histórias nesse desenvolvimento. Opa! Deixa ajeitar os fatos, me enganei em relação à esse conto. Em linhas gerais, um casal que fora apaixonado, quase duas décadas antes, se reencontra, mas em condição em que a mulher está casada. Vem a vontade da história continuar, mas o desenrolar mostra que Mariana havia apagado essa paixão do passado e demonstra amar o marido, mesmo em uma repentina viuvez.
"D. Paula" - Uma senhora se presta a orientadora de uma jovem em crise no casamento por seus ciúmes. O desenrolar mostra que a jovem se excedera nas incertezas e a conselheira tem certa inveja de não ter experimentado um amor como o da jovem. Alguém que manifestasse grande ardor por ela. Acho que é mais ou menos isso. Seja como for, não curti.
"Viver!" e "O cônego ou metafísica do estilo" - Podem ser geniais ou lá o que for, mas tem um quê filosófico muito chato, pelo menos para meu gosto. O primeiro mostra um diálogo entre Prometeu e um tal Ahasverus. Nunca tinha ouvido falar desse segundo e descobri que vem de uma história apócrifa de judeu que rejeitara e maltratara Jesus no caminho do calvário. Os dois protagonistas são amaldiçoados eternamente e o conto mostra planos de ambos na existência penosa, de construir uma nova humanidade. Só foi isso que entendi.
O segundo conto fugiu da minha percepção. O que vi é que um religioso está escrevendo um sermão, inspirando-se nos Cânticos de Salomão (também chamado de Cantares). Daí para frente entra numa filosofia que não alcancei. O que há? Para que a história tivesse algum registro na minha lembrança, concluí que ele externou um desejo reprimido em sua vida sacerdotal, aflorado pelo romantismo e sensualidade dos textos bíblicos de Salomão. Será isso? Foi minha conclusão.
Gostei da maioria dos contos, mas todos são excepcionais na Literatura Brasileira e abrem campo para inúmeras discussões.