José Martino Escritor 03/07/2010Sobre Várias Histórias de Machado de Assis
Já fazia mais de dez anos que Machado de Assis não publicava um livro de contos. Depois de ter escrito os Papéis Avulsos e as Histórias Sem Data, duas obras-primas do gênero, Joaquim Maria não desejava abaixar o nível de qualidade que alcançara e por isso preparava com capricho esse seu novo volume de histórias curtas. As Várias Histórias chegaram às livrarias do Rio de Janeiro em outubro de 1895, mas, estranhamente, trazia impresso na folha de rosto o ano de 1896. Não se sabe por que motivo a Casa Laemmert, que editou o livro, procedeu dessa maneira. É possível que o lançamento estivesse previsto de fato para 1896 e a gráfica tenha terminado a impressão antes do prazo dado. Seja como for, isto gerou uma tremenda confusão entre os biógrafos de Joaquim Maria, pois muitos deles se equivocaram ao repetir o erro da folha de rosto.
O livro trazia 16 contos e nenhum deles era inédito. Todos haviam sido escritos na década anterior e publicados na Gazeta de Notícias entre os anos de 1884 e 1891. Machado de Assis escolhera a dedo os contos para compor esta sua nova coletânea e acertara em cheio. Nas Várias Histórias, Joaquim Maria alcançou o ápice no domínio da técnica de narrar histórias curtas. Mesmo se ele não tivesse escrito mais nada em sua vida, este livro seria suficiente para lhe dar uma posição de destaque em qualquer literatura.
Os contos que encerravam a antologia, todos primorosos, eram os seguintes: “A Cartomante”, “Entre Santos”, “Uns Braços”, “Um Homem Célebre”, “A Desejada das Gentes”, “A Causa Secreta”, “Trio em Lá Menor”, “Adão e Eva”, “O Enfermeiro”, “O Diplomático”, “Mariana”, “Conto de Escola”, “Um Apólogo”, “D. Paula”, “Viver!” e “O Cônego ou Metafísica do Estilo”. Logo após a folha de rosto, Machado de Assis colocou uma nota explicativa:
“As várias histórias que formam este volume foram escolhidas entre outras, e podiam ser acrescentadas, se não conviesse limitar o livro às suas trezentas páginas. É a quinta coleção que dou ao público. As palavras de Diderot que vão por epígrafe no rosto desta coleção servem de desculpa aos que acharem excessivos tantos contos. É um modo de passar o tempo. Não pretendem sobreviver como os do filósofo. Não são feitos daquela matéria, nem daquele estilo que dão aos de Mérimée o caráter de obras-primas, e colocam os de Poe entre os primeiros escritos da América. O tamanho não é o que faz mal a este gênero de histórias, é naturalmente a qualidade; mas há sempre uma qualidade nos contos, que os torna superiores aos grandes romances, se uns e outros são medíocres: é serem curtos.”
Quem primeiro escreveu sobre as Várias Histórias foi Olavo Bilac, publicando a 20 de outubro de 1895 no jornal O Comércio de São Paulo um artigo muito elogioso. Aliás, este volume de contos somente rendeu elogios a Joaquim Maria, que colheu pela imprensa as palavras mais laudatórias. Quatro dias depois, Bilac voltaria a se ocupar do escritor, agora nas páginas de A Cigarra. A admiração era incondicional, como se percebe neste trecho do artigo:
“Não cabe aqui a crítica da formosíssima coleção das Várias Histórias. Criticar Machado de Assis!... A Cigarra só sabe amá-lo e admirá-lo sem palavras.”
Nesta mesma data, Valentim Magalhães publicava em A Notícia um artigo também muito favorável às Várias Histórias e a seu autor. A nota mais curiosa é que quase todos seus amigos que dele tratavam nas páginas da imprensa acabavam repetindo uma mesma observação, ou seja, insistiam na “juventude” do escritor e de seu estilo. Parece que esse tipo de lisonjarias agradava muito a Machado de Assis, que talvez pressentisse cada vez mais próxima a presença da morte. Eis o que diz nesse artigo Valentim Magalhães:
“Legítimo representante da geração de 1860, foi-o igualmente da de 1880, porque era tão moderno quão lépido, tão novo como os que mais o fossem; e agora, após tantos anos, é moço ainda pelo frescor e tesura do estilo e pelo peregrino encanto da imaginação.”
Num texto publicado no ano seguinte, em Lisboa, Valentim Magalhães apresenta Machado de Assis aos portugueses, insistindo nesse seu caráter “jovem”, sobretudo no que diz respeito ao estilo do autor de Quincas Borba:
“No seu estilo castiço, flóreo, original, artístico como uma taça bordada pelo cinzel de Celini, ainda não apareceu o primeiro cabelo branco; nenhuma ruga ainda na sua fantasia alada e risonha como uma almeia.”
Em 1897, Magalhães de Azeredo publicou na Revista Moderna, editada em Paris, um texto bastante elogioso sobre Machado de Assis. Da mesma forma que Valentim Magalhães, este discípulo querido de Joaquim Maria também destaca as qualidades joviais do mestre, com quem ele trocou extensa correspondência:
“Machado de Assis, tendo-se votado à sua arte desde a adolescência, conservou-se-lhe fiel, sem hesitações nem desfalecimentos, até hoje que já lhe branquejam os cabelos sobre a fronte ainda jovem - porque ele, como me dizia numa carta, não é “dos que dão para octogenários”.
Intacto, o fervor dos vinte anos o alenta ainda no labor literário; mestre consagrado, não entende que tal qualificação lhe seja uma aposentadoria; não lhe falem de dormir à sombra dos conquistados louros, ou de pousar sobre os muitos livros superiormente escritos a forte e nobre pena, ativa como a enxada do camponês madrugador, fina como o buril do escultor que sonha com Deusas e Galatéias. Sempre moço, ele deseja estar à frente dos moços, combater com eles, com eles ir caminhando pelo futuro adiante.”
Extraído do livro MEMORIAL DO BRUXO - CONHECENDO MACHADO DE ASSIS. Conheça-o, aqui no Skoob.