Gárgula 05/01/2022
Numezu, de Jorge Alexandre Moreira
Numezu vive!
Alguns títulos aguçam a nossa curiosidade e certamente foi exatamente o que aconteceu comigo ao ler Numezu, de Jorge Alexandre Moreira. Após ler a sinopse, fiquei bastante curioso e assim, peguei a obra no Kindle Unlimited e mergulhei na leitura.
Tanto a capa, por sinal sinistra e bela, quanto as ilustrações, são de Ezequiel Romankiu. O livro foi premiado pela ABERST, no ano de 2020, na categoria Melhor Narrativa Longa de Terror.
Algumas coisas deveriam ser esquecidas
O enredo conta duas histórias em paralelo, ambientadas em terras europeias. Conhecemos assim Laura na primeira, enquanto na outra, conhecemos Gaspard.
Laura vive um casamento de mentiras com Raoul numa relação esta que está nos últimos suspiros de vida. Uma viagem de veleiro é a última tentativa de reviver e recuperar algo bom que não existe mais.
Gaspard vive um relacionamento abusivo com Fabienne, uma mulher belíssima, bem relacionada, mas possessiva. Ela o mantém em sua sombra em uma relação insossa baseada em posse. Ele parece por isso um animal de estimação que acaba por se soltar de sua coleira.
O que ambos não imaginam é que seus mundos, tão diversos, estão em rota de colisão. Mas existe algo a mais neste caminho. Algo esquecido e antigo, que certamente nunca deveria sair do fundo do mar.
Uma perseguição sufocante
Ambos os personagens sofrem com uma perseguição de alguma forma: seja pela ex-namorada manipuladora ou pelo marido violento, os dois vivem momentos de tensão que deixam o leitor vidrado. Vale ressaltar que o livro possui gatilhos para aqueles que tenham qualquer problema com violência, então deixo aqui este aviso.
Ademais, o autor trabalha de maneira clara e direta os absurdos da violência feminina. Grande parte da história foca em Laura e fica angustiante ler o que ela passa. O relato dela me lembrou do sufocante filme Cabo do Medo. Nós nos tornamos, dessa maneira, testemunhas impotentes de seu sofrimento e só resta torcer muito por ela.
Considerações finais
Em suma, Numezu é muito mais do que uma entidade antiga. Ele personifica de muitas formas o patriarcado e Laura representa todas as mulheres, enfrentando como pode um inimigo muito superior em poder, repleto de vilania, misoginia e tão antigo que ninguém sequer lembra dele. Impossível não fazer esta analogia.
O final, lembra muito o de filmes oitentistas. É abrupto, de uma forma muito positiva. Cabe ao leitor digerir tudo aquilo. Facilmente está entre as minhas melhores leituras do ano. Mereceu demais receber o prêmio da ABERST.
Você deve ler este livro sabendo que nunca mais vai esquecer Numezu!
Um bônus final
Ao terminar Numezu, você se depara com um conto intitulado Águas Mortas. Se Numezu já estava fazendo minha cabeça explodir, este conto foi o rastilho de pólvora final.
Nitidamente percebemos a influência lovecraftiana na história. Conforme o próprio Jorge nos conta, ao término do texto, ele se inspirou em um curta metragem que já mostramos aqui: The Fisherman, do Canal Dust. Vale assistir, pois era o que lembrava sem ter nem lido o pequeno posfácio.
Este conto concorre ao prêmio ABERST deste ano de 2021 e prevejo mais uma caveira chegando ao autor. Perfeito em sua tensão e construção de cenário. Certamente Jorge Alexandre Moreira está no rol de autores que lerei sempre!
site: https://cantodogargula.com.br/2021/10/07/numezu-de-jorge-alexandre-moreira/