Lumes

Lumes Ana Luísa Amaral


Compartilhe


Lumes





Logo no começo do segundo ato da peça de Shakespeare, Julieta pergunta a Romeu por que ele não pode renunciar a seu nome, para que ela possa amá-lo. Por que um nome é tão importante, a ponto de impedir o amor dos seres? “What’s in a name”, a frase literal da personagem, é o ponto de partida e o título original deste Lumes, que a multipremiada poeta portuguesa Ana Luísa Amaral traz agora ao Brasil, em edição consideravelmente aumentada, com poemas inéditos.

Aqui, a poeta se coloca as questões que poderia ter-se feito a própria Julieta, se não tivesse sucumbido: quais as dimensões de ver, nomear, escrever, matar? Ao perguntar-se, ela nos ensina, já desde o primeiro poema, que do cotidiano surgem os mais intrincados enredos: se o mosquito assassinado pela unha da poeta retornará, cem anos depois, matéria de outra coisa, talvez até do poema ou do papel em que estará impresso (em Matar é fácil), o livro, esquecido de propósito num banco de praça, que destino terá? (em Abandonos). Dito de outro modo, Ana Luísa Amaral extrai das miudezas cotidianas inquietações e, ao fazê-lo, aproxima-se da maior poeta latino-americana do século dezessete, a mexicana Sor Juana Inés de la Cruz, que em um de seus momentos de grande autoironia, dissera: o que podemos saber as mulheres além de filosofias de cozinha?, para logo completar: Se Aristóteles tivesse cozinhado, muito mais teria escrito.

Pois é também nessa dimensão, de quem pode erguer monumentos reflexivos e líricos a partir de uma cena doméstica, que Ana Luísa Amaral exibe maestria. Num poema como Pequeníssima revisitação a desejar-se, o eu lírico, ao mesmo tempo em que grelha um peixe, escreve uns versos e encena uma noite de Natal. O resultado é belo e desastroso: “Mas vede como, esquivo / o peixe se queimou, / e o verso em combustão / ficou desfeito!”. Conclui ela cantando um quimérico peixe ideal: “o preclaro milagre / de um novo peixe, / aqui // E não este purê / sem cântico nem luzes nem noites estreladas: / matéria em que a batata, esquecida, / se tornou”.

Obra inquietante, bela e não isenta de humor, Lumes constitui-se na dialética entre ver e nomear, a partir do campo privilegiado que é um poema a escrever-se. Seja em seu título original, seja em seu título brasileiro, a pergunta insiste, insidiosa: O que há num nome? O que com ele se pode ver?

O lançamento deste volume no Brasil coincide com a consagração da poeta pelo recebimento do Prêmio Rainha Sofia de Poesia Ibero-Americana de 2021. É o justo reconhecimento para ela que, além de dedicar-se a pensar pela poesia, também o tem feito pela via acadêmica, na Universidade do Porto, onde leciona, e com obras incontornáveis como o Dicionário da crítica feminista, organizado em parceria com Ana Gabriela Macedo. De Ana Luísa Amaral, a Iluminuras já publicou Aras, Escuro e Vozes.

Wilson Alves-Bezerra


Literatura Estrangeira / Poemas, poesias

Edições (1)

ver mais
Lumes

Similares

(1) ver mais
Ágora

Resenhas para Lumes (0)

ver mais
A luz da poesia de Ana Luísa Amaral

“E vejo-me parada, sentada a esta mesa, que porventura já se repetiu/É a luz que se demora, ou é nosso olhar que a configura?", trecho de poema de Ana Luísa Amaral, em Lumes, publicado pela editora Iluminuras, 2021, notável poeta portuguesa falecida em 2022. Recentemente conheci a poesia de Ana Luísa e foi amor à primeira vista, pois a forma surpreendente como trabalha com as palavras, de forma inusitada, com uma profusão de imagens sensíveis, mexeu com a minha emoção. Ela tem pleno d... leia mais

Vídeos Lumes (1)

ver mais
Lumes, Ana Luísa Amaral e a poesia contemporânea portuguesa

Lumes, Ana Luísa Amaral e a poesia contemporâ


Estatísticas

Desejam
Informações não disponíveis
Trocam
Informações não disponíveis
Avaliações 0 / 0
5
ranking 0
0%
4
ranking 0
0%
3
ranking 0
0%
2
ranking 0
0%
1
ranking 0
0%

0%

0%

Jenifer
cadastrou em:
14/10/2021 23:06:24
Jenifer
editou em:
14/10/2021 23:06:35

Utilizamos cookies e tecnologia para aprimorar sua experiência de navegação de acordo com a Política de Privacidade. ACEITAR