Memórias de Maigret é um livro que delicia fãs de Simenon e que apaixona os amantes de boa literatura. Mais do que dar voz a seu principal personagem, o comissário da polícia francesa Jules Maigret, Simenon promove uma verdadeira inversão de papéis: Maigret, o personagem, torna-se o narrador, enquanto que Simenon, o escritor, torna-se personagem.
A narrativa começa com Maigret tentando se lembrar em que ano conheceu Simenon, na época um romancista iniciante que assinava apenas Georges Sim. Como o título sugere, o comissário decide escrever suas memórias para deixar um registro da sua versão dos fatos, já que Simenon, ao torná-lo personagem de seus livros, acaba ficcionalizando sua vida além da conta.
A seguir, Maigret fala sobre sua infância no interior, a morte da mãe, a influência do pai e dos tios, a ida para Paris, os primeiros anos na Polícia, e conta como conheceu a esposa, Louise. Em um dos melhores momentos do livro, Maigret analisa a repercussão do personagem de Simenon no cinema e se compara com todos os atores que o interpretaram na tela – uns mais magros, outros mais velhos, alguns tão verossímeis que acredita ter sido secretamente observado por eles.
As reuniões na sede da Polícia também originaram diálogos antológicos entre criatura e criador. Em uma delas, quando Maigret reclama que Simenon está cometendo inexatidões técnicas em seus livros, o último afirma: “– A verdade nunca parece verdadeira. (...) Conte uma história qualquer a alguém. Se não a enfeitar, acharão inacreditável, artificial. Enfeite-a, e será mais verdadeira que o natural.”