Alguns vão parar no olho do furacão por vontade própria. Outros chegam lá por força das circunstâncias. Foi que aconteceu com Vladimir Herzog e comigo. Desde seu primeiro dia de trabalho na TV Cultura - onde assumira a direção de jornalismo, me entregando a chefia de reportagem - Vlado tornou-se o alvo preferencial de uma campanha que procurava apresentar a emissora como estando sob o perigoso controle dos comunistas, a serviço da subversão internacional.
Vlado e eu éramos, realmente, militantes do então clandestino Partido Comunista Brasileiro, mas o projeto dele para o jornalismo da Cultura era claro, cristalino e fora previamente aprovado pelo governo do Estado.
O anticomunista babão de alguns jornalistas, deputados e delegados estava a serviço da operação secreta que buscava liqüidar o chamado Partidão e enquadrar os tímidos intuitos de abertura política do general Geisel, insuportáveis para os militares da chamada linha dura.
Nos restava pouco a fazer diante daquela singular conjugação de fatores. E acabamos indo parar naquilo que os próprios agentes do Doi-Codi, o todo-poderoso organismo de repressão política definiam, orgulhosamente, como "a sucursal do inferno". Junto com dezenas de companheiros, fui preso dia 17 de outubro de 1975. Uma semana mais tarde, uma equipe do Doi-Codi foi à Cultura prender o diretor de jornalismo.
Sob a promessa de se apresentar na manhã seguinte, Vlado dormiu em casa. Na manhã seguinte, cumpriu o combinado. Horas mais tarde, estava morto. Para encobrir o assassinato, forjaram seu suicídio por enforcamento ? mais uma na longa série de mentiras com que os militares tentavam ocultar o que ocorria no porão do regime. Mas, pela primeira vez depois de muito tempo, a sociedade reagiu à uma morte sob tortura.
É o que este livro relembra, 30 anos mais tarde, na esperança de registrar, a partir de um ponto de vista pessoal, um pouco da história de meu querido Vlado e do sonho da nossa geração.