O livro de estreia de Tomás Braune — poeta entre “corpo e passagem” — nos traz a lucidez cortante na madrugada do sanatório do mundo. Metáfora da vida oblíqua de quem resiste no movimento de não ser — “sou sido, de percorrido e penetrado não estou: sou estado, e vazo, vazo, vazo”, na insistência de “envelhecer ao avesso”. O poeta “é-se” como o verbo clariceano que se encontra no compasso de uma vida que se refaz e se renova na busca pela palavra. No poema “exato”, ele diz: “isso aqui não é um sonho, tampouco um poema, exato: é uma vaca. isso aqui é uma vaca”. Como se ver vendo fora do aprisionamento do mundo-sanatório?, é a pergunta que ecoa.
O poeta é sensível de incongruências, lançando-nos às imagens que integram o que nomeia como compaixão — a matéria densa e humana que mistura lamento e dor, crueza e sublimação — e presenteando-nos com a beleza de cavalos metafísicos “que permanecem batendo a cabeça no muro” mesmo depois da morte. Talvez seja essa a imagem-síntese dos grandes artistas, como Tomás, que não desistem, transformando o gesto derradeiro em poesia. Por isso, na madrugada, ele recebe a visita de um anjo que lhe cobra um beijo na contramão da dureza do pensamento. Por tamanha lucidez, o poeta-personagem deste livro, entre fezes, bichos e minérios, nos dá no lugar de uma “poética dos ossos” a poética do coração, que não é músculo “mas um desespero com ritmo, esse espalhafato”.
Como uma “bromélia-rubra”, a poesia é revelada na tradução de sensações dirigidas ao outro/pessoatravés — “você não está amando: amar está vocêndo”. A beleza deste primeiro livro de Tomás Braune está no intervalo entre palavras, e também na sua junção, nos alicerces que vai construindo entre um estado e outro, entre o eu e o outro, entre poeta e leitor, entre imaginação e ação, entre a liberdade do sanatório e a prisão do mundo. Da aparência dos contrários, da força das imagens, nasce sua poesia, que veio para ficar. Sorte a nossa.
Poemas, poesias