Vivemos uma crise global e múltipla de enormes proporções – política, social, econômica, ecológica, ideológica e ética. O crime ecossocial no Vale do Rio Doce, em novembro de 2015, perpetrado por mineradoras transnacionais com a cumplicidade e omissão de instâncias estatais nacionais e regionais, numa aliança típica dos nossos tempos, tornou-se a advertência mais dramática da podridão do sistema capitalista predador que determina nossas vidas.
Depois de alguns anos de relativo otimismo no Brasil e na América do Sul, fica evidente mais do que nunca que as sociedades do Norte e do Sul globais estão irremediavelmente interligadas e precisam de profundas transformações políticas e ecológicas – muito além do acordo climático de Paris que, mesmo sendo uma resposta insuficiente às múltiplas pressões dos movimentos pela justiça climática, poderia significar um passo na direção correta.
Na América do Sul, saltam à vista as limitações dos governos “progressistas” que, fortalecendo o papel do Estado na economia, avançaram numa distribuição mais equitativa da renda das commodities sem, no entanto, questionar mais profundamente o conceito hegemônico de “desenvolvimento”, vaca sagrada até para grande parte da esquerda mundial. Essas limitações, nos anos iniciais das “revoluções” democráticas na Venezuela, Bolívia e Equador, e das vitórias eleitorais de candidatos de centro-esquerda no Brasil, Argentina, Uruguai, Chile, Paraguai e Peru, não eram descartadas por observadores mais prudentes.
Essa onda vermelho-rosada, surgida graças à ação dos movimentos sociais, conseguiu enterrar o projeto imperialista da Alca, em 2005, e deu um apoio vital em momentos críticos aos presidentes Evo Morales, em 2008, e Rafael Correa, em 2009. Mas alimentava esperanças de transformações mais profundas e duradouras. E, last but not least, tinha como bandeira ecossocial visionária o projeto Yasuní-ITT, abortado por uma aliança interesseira de partidários do crescimento a qualquer preço na Alemanha, no Equador e na China.
Como fica bem claro no livro O Bem Viver – Uma oportunidade para imaginar outros mundos, de Alberto Acosta, o Buen Vivir é um conceito aberto, de origem latino-americana, que se está constituindo em um aporte genuíno ao debate da esquerda mundial do século 21. Ao mesmo tempo, dentro da esquerda neoclássica que, no Brasil, continua dominando o discurso daqueles e daquelas que estão aspirando a construir uma sociedade nova, social e ecológica, até anticapitalista, as resistências aos paradigmas pós-desenvolvimentistas como o Bem Viver ou o decrescimento continuam sendo consideráveis – apesar de o Bem Viver, desde o Fórum Social Mundial de Belém, em 2009, vir ganhando mais adesões.
O Bem Viver, do nosso companheiro e amigo Alberto Acosta, na belíssima tradução de Tadeu Breda, é, nesse sentido, uma contribuição bem-vinda, necessária e urgente.
— Gerhard Dilger
Política