Partindo da história da palavra "canibal", inventada por Cristóvão Colombo, Frank Lestringant mostra como os escritores e os filósofos do século XVI - Montaigne, em particular - transformam a figura repugnante, que é o antropófago das Américas, em um modelo positivo. Se o livre e feliz canibal come a carne do adversário vencido, isso ocorre em virtude de uma tradição bastante conhecida e não por apetite ou crueldade. Poder-se-ia até perdoá-lo por causa de alguns jesuítas e colonos que ele devorou! Os pretensos civilizados deram provas de uma barbárie e de uma torpeza muito piores. No século XVIII, os "intelectuais" do Iluminismo usam o canibal na discussão anticolonial e anti-católica. Nessa época, seu valor era também destacado: se ele devora o homem, coisa que o europeu sabe fazer à sua maneira, e de formas mais refinadas e, em suma, as mais cruéis, o canibal não chega ao ponto de devorar seu Deus. Dessa maneira, a Eucaristia é agressão. Mas a "grandeza" do canibal e sua imagem positiva degradam-se no final do século XVIII e, sobretudo, no século XIX. É a decadência. E ele se torna uma figura odiosa, saciando um apetite bestial e desordenado, suscitando os devaneios primitivos de um Sande ou de um Flaubert, ele último inspirado pelo caso da Jangada de Medusa, na qual o Ocidente se mira com pavor.
Filosofia / História