Entre os anos de 1915 e 1917, Virginia Woolf sofreu um colapso que a impediu de ler e escrever. Durante esse hiato, no qual ela viveu na cama e à base de leite por recomendação médica – era esse o tratamento dado às mulheres que sofriam de crise nervosa à época – Virginia como que desaprendeu a escrever. Seu pensamento brilhante ficou embotado, sua capacidade extraordinária de reter a vida em palavras e frases sublimes definhou.
Em 1917, ela volta a escrever seus dias no chamado diário de Asheham, um pequeno caderno que mantinha na casa em Sussex, onde o casal Woolf passava curtas e longas temporadas. Em agosto de 1917, ela escreve: “Viemos a Asheham. Caminhamos desde Lewes. Parou de chover pela primeira vez desde domingo. Estão consertando o telhado e o muro de Asheham. Will resolveu o canteiro da entrada, deixando somente uma dália. Abelhas na chaminé do telhado”.
É de frases telegráficas e entradas curtas como essa que se compõe O diário de Asheham, que durante muito tempo foi como que desprezado pela crítica e abandonado pelas editoras pela suposta desimportância de seu conteúdo, ainda que, na verdade, sua rara beleza e qualidade literária estejam justamente nisso.
A sensação que se tem ao ler as passagens é que Virginia está reaprendendo a escrever, lutando para recuperar sua capacidade narrativa depois do apagão psíquico que sofreu. Longe do frisson da Londres que ela tanto amava, apoia sua escrita na paisagem em torno de Asheham. Registra a miudeza dos dias. Das caminhadas embaixo de sol ou de chuva à colheita de cogumelos, maçãs e amoras.
É comovente observar sua melancolia e precariedade, que se revelam também nas dificuldades concretas impostas pela guerra: ela anda com botas maiores que seus pés que a machucam, não tem açúcar para fazer sequer uma geleia, cata gravetos para substituir o carvão que está em falta, embora nunca deixe de reparar no narciso que brota, nas borboletas coloridas ou no céu vermelho.
Quem tiver olhos para ver notará, em meio a essa pouquidão, emergir em trechos estupendos o brilho de sua genialidade: “Comemos batatas da horta. Houve um ataque aéreo hoje”. A frase que reverbera a famosa entrada do diário de Kafka: “Alemanha declarou guerra à Rússia. Natação à tarde”, a leva e nos leva imediatamente ao verdadeiro lugar que Virginia ocupa na história da literatura mundial, o da mais brilhante escritora do século XX.
Literatura Estrangeira / Não-ficção