O autor nos conduz às entranhas do inferno que metaforicamente acomoda a imagem dantesca do sistema prisional da Bahia, por meio da história de Antônio Carlos, o Cacá, encarcerado sob a acusação implacável que se inicia desde a primeira hora no âmbito de um tribunal de rua que logo ganhou os holofotes da imprensa, contexto em que a dama da esperança se mostra como a primeira hóspede a se despedir.
Ele é o protagonista de uma paisagem desoladora que à noite tira o sono e fabrica pesadelos no pouco de razoabilidade da racionalidade jurídica em vigor no país. Marcos Melo oferece um relato angustiante e realista de um sistema que despedaça subjetividades individuais, restando apenas enfrentá-lo ou padecer no interior das suas engrenagens.
Cacá é um personagem coletivo, representa uma multidão de invisíveis sociais, de indigentes sem nome, identificados apenas pelo dispositivo normativo do Código Penal, esquecidos para morrer ou embrutecer no interior do sistema prisional brasileiro.
De partida, a expressão “hóspede”, oferecida como parte do título da obra de Marcos Melo, nos remeteria à ideia de algo transitório, um estado precário de permanência cuja ideia de tempo no interior do cárcere se arrasta com dimensão de perpetuidade. Será que a experiência de estar encarcerado e antes submetido a um sistema de justiça punitivista pode ser apenas uma memória a ser arquivada? Não haveria um preço demasiado amargo para o dito hóspede que permanece perto demais do inferno? É possível conviver no interior das suas entranhas sem prejuízo da sanidade, sem que a força do sistema esmigalhe as estruturas de um homem despido de si?! São perguntas que o leitor poderá se fazer à guisa de reflexões. Sartre diria “o inferno são os outros”. Ele (o inferno) não serve para outra coisa senão nos colocar diante do espelho. E na tragédia social brasileira, diríamos “inferno para os outros“. Estes outros seriam os alvos de sempre, os identificáveis, os condenados de véspera, os corpos matáveis.
Será que nosso personagem não seria um prisioneiro de si, condição segunda a qual só se pode sair pelo caminho da peregrinação, esta como estágio primeiro da santificação?!
Ficção