No século VXI, quando Portugal e Espanha chegam aos quatro continentes e dão a largada para a a globalização econômica, culturas e imaginários de povos que até então se ignoravam sofrem influências de horizontes planetários. O México foi o palco singular desse desdobramento da extensão ibérica: o pensamento mestiço.
Vítimas de massacres, guerras civis e epidemias, os índios nauas viram-se amputados de sua desenvolvida civilização. Formou-se uma sociedade fargmentada e insegura, em que eles observaram, adaptaram e assimilaram elementos da cultura européia renascentista e cristã. Mas o que criaram não foi puro mimetismo, nem cópia passiva de modelos trazidos por padres e funcionários da Coroa. Foram obras mestiças, uma forma de resistência ao invasor e saudável reação de quem perdeu referências e valores.
Entre improvisos e compromissos, artistas e artesãos aproveitavam-se da menor brecha para deixar sinais identitários na tela, na madeira, no papel, perpetuando tradições banidas pela Conquista. Assim, nos afrescos de um palacete, o tlacuilo, índio pintor, recorre às Metamorfoses de Ovídio para reintroduzir temas da mitologia pagâ naua. Criadores dos versos épicos dos Cantares mexicanos misturam heróis da Antiguidade, santos católicos e deuses do panteâo asteca, enquanto o calígrafo que enche as margens de um manuscrito com arabescos de estilo grotesco substitui as flores européias pelas alucinógenas nativas.
Com uma visão pluridisciplinar que abrange a história, a antropoligia, a estética e a crítica de arte, Serge Gruzinski desmonta as engrenagens do pensamento mestiço e faz uma análise original de seu impacto nos imaginários dos povos americanos. Na ponte que lança entre o México da Conquista e a Europa do Renascimento, estão as chaves para a compreensão, cinco séculos depois, da world culture do mundo globalizado.