Escrever é inventar mundos. Claro que isso já foi dito. Pensando bem, tudo já foi dito. Até isso que acaba de ser dito. Na verdade, nem precisa pensar bem. Mas seja como for, dito ou não dito, escrever é inventar mundos. Mesmo que seja um mundo individual por trás de uma cortina de fumaça. Afinal, como todo fumante sabe, e principalmente todo ex-fumante, a fumaça de um cigarro costuma esconder mundos insondáveis. Ou até mesmo imundos. O francês Henri-Pierre Jeudy, com este "O Último Cigarro", mostra que um bom romance transforma o leitor em dependente. Os editores deveriam ser obrigados a colocar nas capas dos bons livros uma tarja preta recomendando consumir com moderação. Deixar ou não de fumar? A questão é falsa. A resposta já foi dada. Agora, entre nós, será que todo mundo ficou convencido? Eu, como nunca fui fumante, resisto. "O Último Cigarro" não dá receita nem se apresenta como um produto de substituição. É romance, não goma de mascar com nicotina. Sugere. Trata-se de uma novela sobre a vontade, ou a falta de, a dependência ou a necessidade de independência, o gozo solitário, o gozo depois do gozo, o livre-arbítrio, a arbitrariedade, enfim. Pensando bem – de novo isso –, é um livro sobre a loucura humana. Enxuto. Cristalino. Envolvente. Nebuloso. Contradição? Onde há fumaça, pensando bem, há fogo. Ao menos, um isqueiro. Ou seja, um cigarro.
Ficção / Literatura Estrangeira / Romance