Copi é considerado um dos acontecimentos mais originais da literatura argentina dos últimos 20 anos. Desde jovem exilado em Paris, escreveu a maior parte de sua obra em francês entre as décadas de 1970 e 1980, sem alcançar a projeção merecida. Era mais conhecido e apreciado por suas atividades paralelas de cartunista, ator e dramaturgo. Mas, nos últimos anos do século 20, sua ficção foi redescoberta no país natal, traduzida ao espanhol e enfim valorizada por nomes como César Aira e Alan Pauls.
Publicado em 1972, O uruguaio é seu primeiro relato; A internacional Argentina, de 1988, o último. Este livro da Coleção Otra Língua, portanto, une as duas pontas da prosa do autor, que na totalidade ainda compreende mais quatro novelas e duas coletâneas de contos. Para o leitor brasileiro, trata-se de uma iniciação para entrar em contato com um escritor nada convencional desde o pseudônimo que adotou: Copi – mais que esconder o cidadão do mundo Raúl Natalio Roque Damonte Botano (1939-1987) – tornou-se uma identidade literária.
Escrita originalmente em francês, O uruguaio é uma novela curta que assume a forma narrativa de uma carta, endereçada ao Mestre, num único e só parágrafo, por alguém que assina Copi. A ação é vertiginosa e a linguagem, clara e precisa. Os eventos beiram o surrealismo: o Uruguai, por exemplo, desaparece soterrado pela areia da praia. Depois do cataclisma, o país é pouco a pouco redesenhado no papel (não à toa, o autor era um excelente cartunista), passando como num passe de mágica a existir de novo. Seus habitantes voltam à vida como uma espécie de zumbis, que precisam reaprender a viver normalmente.
A imaginação desvairada atinge o ponto máximo quando entra em cena, voando, o papa argentino – um lance profético, pois o livro é de 1972 – que no fim se revela um farsante. A par das reviravoltas na trama, trata-se de um relato muito engraçado, provando que a alta literatura de vanguarda pode, sim, provocar risos ou mesmo gostosas gargalhadas.
A Internacional Argentina é um thriller político, com doses de suspense e humor. Uma comédia que desnuda o delírio das conspirações e também se debruça sobre a condição de exilados. Cabe lembrar que a literatura do exílio é uma tradição argentina, de Julio Cortázar a Manuel Puig, passando por Juan José Saer e Rodrigo Fresán.
No mundo particular de Copi, quanto mais improváveis são personagens e ações, mais críveis vão se tornando aos olhos do leitor. O vilão de A Internacional Argentina é o milionário Nicanor Sigampa, um “negro colossal” que vive em Paris. Seu objetivo secreto é eleger o próximo presidente da Argentina, e o candidato escolhido é o poeta-narrador.
Um dos planos de Sigampa prevê a imigração maciça de negros para a Argentina: “Fiquei entusiasmado com a ideia; sempre pensei que a Argentina sofria de um complexo de inferioridade em relação ao seu vizinho, o colosso brasileiro, pelo fato de não ter raízes negras. Nossa falta de pitoresco nacional vem daí, apesar de todos os nossos esforços para remediá-lo.” A novela, como se pode confirmar por este trecho, é de uma provocação ímpar. Mas, acima de tudo, é uma prova do talento de Copi, que hoje é um dos escritores mais cultuados em seu país.
Ficção / Literatura Estrangeira / Romance / Suspense e Mistério