Onde habita o possível? Em meio a um cotidiano maçante, caótico ou trágico, em que as personagens precisam lidar com a iminência do suicídio da amiga, a perda da memória ou mesmo uma simples lista mental das compras a fazer, resta a busca do que sobrou de possível a ser vivido. É nesse espaço que se passam os excelentes contos do novo livro de Luciana Lima Silva.
Nele, as narrativas são costuradas por esse fio de vida, cujas intensidade e dimensão variam, assim como o cenário. Os acontecimentos se desdobram em situações das mais diversas, do cotidiano infantil à luta pela vida em meio à selva, do enfrentamento-limite entre mãe e filho à descrição da vida num estado de coma. Nessas narrativas, os personagens ora se deparam com a redução do futuro, ora com uma lufada de ar, após terem trombado num obstáculo aparentemente intransponível. Em certas passagens, cenas banais vibram, como nas lembranças infantis do conto “Mara”: “Dançávamos as músicas que tocavam no rádio, fazíamos ginástica para ficar maravilhosas e escrevíamos cartas de amor que nunca enviávamos a ninguém”. Em outras, o drama de uma mulher apaixonada se torna humor: “Uma idiotice cafona, eu sei. Como quando achei que eu estivesse com depressão profunda, mas descobri que eram apenas vermes”.
Luciana se revela ágil, potente e versátil nas narrativas aqui reunidas. Explorando o possível, ela não deixa de acenar com o improvável, como ao descrever o movimento da pipa a voar “em céus impossíveis, para além dos prédios e fiações e carros e caminhões e motos e gatos e cachorros e pombas e ipês e asfaltos”.
Daniela Birman, professora de Teoria e História Literária da Unicamp
Contos / Ficção / Literatura Brasileira