Apesar de o famoso autor de Ulisses e de Finnegans Wake, o escritor irlandês James Joyce (1882-1942), ter sido lembrado, entre outras, por frases de impacto como " eu odeio mulheres que não sabem nada", ele pode ser visto hoje, numa análise atenta e sensível como a que faz Dirce Waltrick do Amarante neste livro, como um valioso aliado do feminismo. Isso, não apenas pela subversão das convenções sociais e literárias que imprimiu a suas obras, mas pelo próprio discurso de suas grandes protagonistas femininas. Tanto a Molly Bloom de Ulisses (1922) quanto a Anna Livia Plurabelle de Finnegans Wake (1939), com sua fala fluida e apaixonada, fazem troça da escrita masculina " truncada, meditada, contida", que " tenta laçar a libido feminina" e controlá-la, na tentativa constante de manter uma autoridade que tem muito, numa visada mais ampla, do patriarcal e do colonizador.Anna Livia é, neste romance, a figura feminina geradora de vida, emblematicamente a própria nação irlandesa, o rio Liffey que atravessa Dublin e a união de todos os rios (e de todos os tipos de mulher), que irá velar/despertar ( proteger e conservar) o herói HCE (Humphrey Chimpden Earwicker, Here Comes Everybody etc.) e a própria cultura "masculina".
Após um estudo cuidadoso de Finnegans Wake, de seus habitantes, de sua estrutura, de seus procedimentos e de suas fontes, empreendido na Irlanda e no Brasil, onde a autora teve ocasião de percorrer a galeria de traduções "masculinas", entre as quais se salientam as dos irmãos Campos (em fragmentos) e de Donaldo Schüler (in toto),
ela propõe aqui uma tradução feminina (a sua própria), escolhendo o capítulo VIII, "Anna Livia Plurabelle", como um dos exemplos máximos, no dizer dos críticos e do próprio autor, da inovadora linguagem joyceana.