Poesia é risco

Poesia é risco Diego Pansani


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Poesia é risco





Já na primeira metade do século passado, Mário de Andrade celebrava que os poetas posteriores ao Modernismo haviam conquistado o “direito de errar”, ou seja, a possibilidade de investigar novos caminhos, mesmo que acidentados, longe de segurança da tradição. Estar sujeito ao erro, longe de ser uma deficiência, é uma virtude do poeta, o que há de ter, décadas depois, inspirado Augusto de Campos, ao transpor seus poemas para o suporte musical, a acrescentar de maneira sintética, poesia é risco. Atento à polissemia dessa expressão, Pansani intitula seu novo livro justamente de Poesia é risco, o que não apenas nomeia um conjunto de poemas, mas insere seu autor nas fileiras dos poetas que desafiam a convencionalidade.

Ele próprio aponta o caminho ao sinalizar: “preto riscando o mundo branco: propondo uma coisa nova”. Aí está a síntese de sua poética, extrair novos poemas de poemas prévios. Trata-se de um procedimento conhecido como blackout, que consiste em ocultar partes de um texto, fazendo com que as palavras poupadas se destaquem e formem uma nova obra.

Se os primeiros exemplos de blackout esmiuçavam escritos do cotidiano, os de Pansani vão além, pois sua matéria prima são outros poemas, o que evidencia sua postura diante da poesia: “é o canto contra o canto que procuro”. E aí talvez esteja um toque sacrílego para uns, iconoclasta para outros.[...] Quando passamos pelos blackouts de Poesia é risco fica nítido que não estamos no plano da citação, mas sim no da colagem, na qual o original deve simplesmente desaparecer, e mesmo quando não desaparece completamente, seja porque o poeta empregou uma tinta com alguma transparência, seja porque o modelo é bastante conhecido, o que importa é a escolha, o corte, a rasura e a montagem; o que importa é o novo texto, o poema de sua autoria.

Essa operação posta em prática por Pansani, que consiste em apagar em parte o texto alheio e apropriar-se do restante (“por debaixo da roupa me habitam páginas de literatura alheia”), nos permite concluir que, enquanto nosso padrão habitual é escrever por adição, acrescentando palavras após palavra, a poética de Pansani se faz por subtração, pelo corte, pela exclusão. Como escrever se contrapõe a apagar, com Poesia é risco nos vemos diante de uma tinta secreta que talvez possa ser compreendida como uma poética negativa ou uma antipoética.



[Trechos do posfácio, de Paulo Ferraz]

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