mariluvs 06/07/2024
Uma boa história... mas será que ela precisava ser contada?
Acho que é unânime entre os leitores que "Manacled" dá uma profundidade absurda para o universo Harry Potter, não só pela fusão com "O Conto da Aia", como também pela construção de camadas dos personagens, da guerra, das criaturas e até da magia em si.
Eu achei realmente impressionante como a autora abre os olhos do leitor muito facilmente para o cenário da guerra, fazendo um trabalho até melhor do que o da própria J.K. Rowling ? e digo isso como fã da saga há 10 anos ?, mostrando que além de Harry Potter, existiam muitas outras pessoas tendo suas vidas destruídas, seja do lado do mocinho ou do lado do vilão; tinham pessoas perdendo tudo em questão de segundos, lutando por um propósito que talvez nem fosse tão pessoal assim, acordando todos os dias esperando que fosse o último, por esperança ou até desespero. É realmente uma história que nos faz abrir os olhos para as consequências durante e depois da guerra e como, mesmo com tantas consequências, é tão fácil de reescrever e manipular a história.
Apesar desse aspecto interessante da trama, eu acho que classificar essa publicação como Dark Romance tem feito todo o propósito se perder; todo mundo vai ler esperando a construção de um amor avassalador entre inimigos e, por mais que encontre isso, encontra também um cenário de caos, dor, personagens feridos e cheios de camadas, cenas tão pesadas de tragédia, tortura e abuso que chegam a deixar o leitor desconfortável para continuar; uma construção realmente visceral do que é uma guerra, que apesar de não ser mentirosa, me faz questionar onde a autora quer chegar. O romance é realmente bem construído e cativante se você ignorar o contexto, mas isso é impossível de ser feito porque é o cenário agoniante que faz ele ser possível. Por isso, esse não é um livro para qualquer um e vendê-lo como um romance de guerra chega a me irritar porque o amor dos dois nunca será maior do que o inferno em que ele está sendo cultivado. O livro é uma história de guerra com um romance e não o contrário.
Os primeiros 25 capítulos são horríveis de ler e é preciso manter na sua cabeça que está vindo uma explicação muito convincente para tudo que você está enfrentando ali. Eu precisei de mais de 3 dias para acabar porque eu só conseguia sentir asco em deixar aquelas palavras passarem pelos meus olhos, e olha que eu sou bem forte para esse tipo de coisa, adoro um horror e slasher é meu gênero favorito, mas tudo tem limite, a gente sabe que coisas assim acontecem na vida real, mas só ficava me perguntando: tinha alguma necessidade de escrever isso? De verdade, eu acho que não tinha; para mim essa é uma história que poderia ser dispensada de ser contada, porque apesar dela ter um propósito ele acabou sendo perdido no meio do caminho, e não porque ela foi romantizada pela escritora, na real o próprio público se encarregou disso.
Gosto muito da construção do Draco, acho ela muito bem feita, para mim ele é um personagem que já é interessante na saga original, mas aqui a autora soube trabalhar legal as camadas dele e a ideia dele ser visto como o completo oposto do Harry apesar de, por um jeito ou de outro, também ser um menino que precisou sobreviver. Já a Hermione eu acho que não tem uma construção tão boa durante os flashbacks, apesar dela ter muitas cicatrizes e sofrer bastante, acho a personagem muito irredutível e apesar disso ser proposital às vezes é incômodo de acompanhar, fica massante. Fora dos flashbacks acho ela bem trabalhada, a construção do estresse pós-traumático é muito bem feita, me senti sob a pele dela muitas vezes.
Os outros personagens, entretanto, acho que muitas vezes serviram apenas de ponte para impulsionar o casal principal a fazer alguma coisa, poderiam ter sido trabalhados aspectos deles por meio de diálogos e nem sempre sobre a perspectiva da Hermione; faltou um pouco desse desenvolvimento dos secundários na minha opinião, até da própria Aurore.
Sobre o final; acho ele justo, não é bom e nem ruim, é realmente um final de tragédia que está muito longe de ser perfeito, mas acho ele o ideal, já que, por mais que a história tenha sido distorcida e tudo tenha sido feito por um motivo, ninguém é coitadinho também. A princípio achei o desfecho do Voldemort pífio, mas no fim achei que foi válido; naquele ponto já não era a intenção da história acompanhar o fim dele; apesar disso poderia ter sido escrito com mais emoção, uma construção melhor da situação; achei corrido demais, muita página para não falar praticamente nada.
No geral, para mim essa história é bastante empolgante, nada apropriada, mas bem construída (não posso dizer bem escrita) e apesar de não ter qualquer ânsia em reler essa sequência; fico ansiosa para descobrir como a autora vai adaptar esse livro para uma história original; uma vez que, mesmo que muitos elementos de expansão do universo tenham sido criados por ela; Harry Potter ainda é o plano de fundo e tem coisas muito específicas que não vejo como serão mudadas; então fica aí a dúvida.