Paulo 26/12/2023
Esse definitivamente é um caso estranho. Os Abandonados é uma história que leva Dylan Dog a investigar um estranho caso de pessoas desaparecidas. Tudo começa com ele aceitando um trabalho para investigar o desaparecimento de uma mulher quando ela estava no carro junto de seu marido. As condições nas quais isso aconteceu são, no mínimo, insólitas. Precisando de Bloch para levá-lo até o local, Dylan chega até uma cidade completamente vazia. De repente ele é separado de Bloch (da mesma maneira que os desaparecidos) e aparece dentro do cômodo de uma casa. Quando ele pensa em sair, uma névoa que se encontra no térreo da casa lhe dá uma estranha sensação de prazer e preenchimento. Se isso tudo não fosse estranho o suficiente, a cada intervalo de tempo, passa um ensurdecedor avião que bagunça tudo o que está ao redor dele. O que está acontecendo nesse lugar? Quem o capturou? E onde estão as pessoas desaparecidas?
Toda vez que me pego com uma edição com arte de Gianpiero Casertano me impressiono com a qualidade de sua arte. Entre os artistas da Sergio Bonelli ele está entre os melhores. Ele tem um ótimo domínio do lápis, um domínio muito bom do preto e branco, sem mencionar em como os seus personagens tem um design bastante realista. Ele consegue passar do realista para o bizarro em um curto espaço de tempo. E essa edição precisa disso. Só achei que o roteiro não deu muito espaço para Casertano brincar e salvo alguns trechos na metade e no final, não achei a edição à altura dele. Só para mencionar algo legal que ele fez aqui, tem umas poças e redemoinhos que são sensacionais e ele insere uns rostos meio fantasmagóricos que são apavorantes. A habilidade que ele tem de dar relevo às imagens faz parecer que os personagens estão quase saindo dos quadros e vindo em nossa direção. A habilidade que ele tem de empregar sombras pelo cenário também é muito boa. Fornece volume aos personagens. O momento que mais me chamou a atenção para isso é quando Dylan se encontra em um telhado e um avião está descendo. Dylan só consegue enxergar a barriga do avião, mas dá para perceber que é um negócio monstruoso porque Casertano coloca a imagem em um ângulo bem propício para fornecer essa impressão, sem mencionar na sombra que o avião joga sobre Dylan.
Se eu gostei da edição passada escrita por Barbato, essa edição é estranha demais para o meu gosto. A narrativa em si não funcionou direito para mim e tem algumas conveniências de enredo que me incomodaram um pouco. Fiquei imaginando que se tratasse de uma história de uma casa mal assombrada ou uma maldição, mas nada me preparou para uma cidade que se torna algum tipo de força sobrenatural. Uma cidade inteira. Barbato cria alguns elementos de enredo para justificar essa transformação, mas ficou meio mal explicado. Na minha visão, poderia até ter sido algo mais simplório e a autora quis tornar mais complexo e fazer uma crítica social ao mesmo tempo. A mim só pareceu bizarro e fora de lugar. Algumas coisas não ficaram bem explicadas como a questão da névoa que deixa as pessoas bem novamente. É apenas para que sempre exista companhia na cidade? Se é assim, por que a criatura devora pessoas? Se a ideia é deixar todos em suas casas, não faz sentido absorvê-las.
Não entendi também por que o Bloch foi envolvido nesse caso. Entendi que o Dylan precisava de alguém para levá-lo de carro até o local. Mas, do jeito que Barbato fez parece que Bloch voltou a atuar como investigador junto do Old Boy. Okay, Bloch nos lembra que ele não é mais investigador a cada vinte páginas, mas ele faz justamente isso aqui. A história poderia ter sido igual se ao invés de Bloch, fosse o Groucho. Não fez sentido para mim. Gostei nessa narrativa que Barbato nos mostra ainda um Dylan diferente, procurando se adaptar a uma nova realidade ao seu redor que não cansa de gritar com ele para seguir em frente. Essa é uma boa edição de investigação do personagem.
A essência da trama é um tipo de crítica social. Volta e meia discutimos nos meios de comunicação sobre a ampliação da malha aérea e o quanto isso representa um dos piores tipos de poluição sonora que existem. Criaram-se as estradas aéreas nas quais os aviões precisam percorrer para chegar até os aeroportos. Com essa ampliação, a proximidade dos aviões com as zonas residenciais vem se tornando cada vez maior e alguns lugares específicos se encontram inseridos no meio dessas "estradas aéreas". Principalmente aquelas pessoas que moram próximas de aeroportos são as mais afetadas por essa poluição sonora. Claro que existem critérios para estabelecer as rotas dessas estradas, mas é óbvio que nem todos obedecem. Na narrativa temos uma cidade que foi afetada por esse movimento e reagiu da única maneira que a população poderia: indo embora. Essa é uma questão que vai se tornar cada vez mais aguda no futuro com o aumento de aeroportos particulares, de veículos voadores particulares.
No fim, gostei da temática, achando-a bem diferente do padrão. Só que se a temática era interessante para ser explorada de um ponto de vista sobrenatural, sua execução ficou bem esquisita. Foi um caso divertido, mas torci o nariz em diversas oportunidades. A arte de Casertano é magnífica, mas essa edição não dá liberdade total para o artista. Ele fica preso a umas situações esquisitas, mas consegue brilhar em alguns bons momentos. No fim, é uma edição bacana que vem depois da pancada que foi a edição passada.
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