R...... 02/07/2017
Ainda estou na leitura do romance, mas já finalizei esta HQ. Comecei a ler desanimado (embora curioso) com algumas coisas que pareciam pouco convidativas - ilustrações simples, texto com letras diminutas, cores sombrias e apresentação aparentemente direcionada a um formalismo infantil. Estava equivocado, pois é uma obra excepcional e extremamente instigante na leitura. Os elementos citados estão em um contexto que se completa harmoniosamente, há muita fidelidade no roteiro e o direcionamento está longe de ser infantil (até nudes tem).
Foi bom também ter finalizado antes do romance porque me ajudou na percepção da obra. A HQ deixa explícito o apego ao prazer e materialismo através da degradação moral. Existe um fator muito forte, praticamente demoníaco sobre Dorian, que é a influência do Harry, e sob essa influência ele vai se transformando de forma cômoda e cega.
O roteiro e desenhos foram idealizados por Stanislas Gros e algo legal em suas estratégias foi a colocação do quadro de Dorian na parte inferior à direita de cada página ímpar, de maneira a proporcionar a visão da degeneração na imagem. Sabe aquela animação tosca de dar uma passada acelerada nas páginas focando um ponto? Pois é, dá para fazer isso e se impressionar com o famigerado retrato.
Havia dito que o desenho é simples (o que é correto dizer), mas tem fundamentação em uma estética medieval gótica chamada pré-rafaelita (valorizada por Wilde) e retrata os rostos com muita expressividade. A empáfia claramente vista na face de Harry, por exemplo, potencializa a percepção como agente influenciador a algo sórdido. Se o quadro expressa o interior medonho de Dorian, o envelhecimento retratado no passar dos anos de Harry também é uma estampa que não fica muito atrás. Mérito para Gros em coisas que se notam melhor numa ilustração.
O autor também recheou a obra com multiplas referências à literatura, filosofia e artes. Eu jamais reconheceria qualquer uma delas (não tenho esse nível de entendimento), mas no final da HQ são reveladas. Uma delas é sobre a arte pré-rafaelita que nem conhecia e tive que buscar algo mais na net para minimamente entender as intenções na estética escolhida que, no meu pré-julgamento besta e precipitado, tinha recebido em desagrado. Essas notas, no final das contas, são boas por nos apresentarem a novos saberes. Gostei disso na HQ também.
Enfim, uma obra que preserva e potencializa a visão sobre o clássico romance de Oscar Wilde. Simples e brilhante.