Paulo 05/06/2021
A história continua de onde ela parou. Passou-se alguns anos desde a captura de Hazel e ela e as demais que estavam com ela foram levadas a um campo de concentração. Lá elas vão precisar aprender a sobreviver em um mundo que as odeia. Tendo sido capturadas pelo povo de Marko, existe um enorme medo de que as pessoas de Landfall descubram sobre a natureza híbrida de Hazel. Esconder o que Hazel é e representa se tornou um medo de todos os dias. Principalmente porque ela não é mais um bebê e está crescendo rapidamente. O rapto de Hazel serviu para unir Marko e Alana que haviam brigado há algumas edições atrás. Os dois lados estavam brigados principalmente depois que Marko acabou agredindo Alana em um momento de fraqueza que colocou tudo a perder. Agora, a segurança de sua filha os colocou juntos. Dois repórteres que haviam sido detidos pela The Brand estão obcecados em entender quem é Hazel e por que existe tanta gente atrás deles. Com a morte de Brand, eles estão livres de sua maldição (que na verdade nunca existiu) e se colocam em uma jornada pelo passado de Marko para entender a importância dele e de Hazel. Só que isso os colocará na mira de um velho inimigo do casal.
Sem qualquer pleonasmo, Saga é uma das histórias mais fabulosas em publicação no momento. No momento de publicação desta matéria, a série se encontra em um hiato no volume 10 para que Vaughan e Staples possam descansar e criar novas histórias. Sempre que eu pego um volume novo para ler, já sei que vou estar diante de uma história divertida, sensível e que vai tratar de problemas familiares ao mesmo tempo em que vai mexer com outros temas bem espinhosos. E faz isso com um respeito extraordinário. Em um mundo que vive um momento complicado onde algumas pessoas fazem o possível para criar negatividade e acusar quem é crítico de ser "lacrador", Vaughan consegue nos colocar diante de uma narrativa que é terna e bacana. Ainda não sou pai, mas algumas cenas me emocionaram bastante ao longo da HQ. Sem falar na criatividade do roteiro que consegue transformar temas atuais em uma narrativa de space opera completamente insana.
Já há algumas resenhas, já não tenho tantas informações novas acerca do roteiro ou da arte. Queria falar de alguns temas que são trazidos aqui sem entregar tanto da história. A reunião de Markus e Alana é linda. Isso é apresentado ao longo deste volume. Porque desde o volume 3 que eles vinham batendo a cabeça até o momento da separação. E os dois estavam errados naquela situação. Markus pela agressão e Alana por esconder um problema pelo qual ela estava passando. Agora, eles precisam se preocupar com Hazel. A filha foi um motivo para que os dois acalmassem seus ânimos e pudessem discutir seus sentimentos. Não vemos esse momento, mas a partir do diálogo entre eles, é possível a gente sentir o quanto os dois precisam um do outro. Não é apenas a filha que os une, mas algo que está acima disso. Sem falar que não existe um casal perfeito e que nunca brigue. Todos temos nossas diferenças, mas o sentimento que temos pelo outro é o que cria a ponte entre duas pessoas. Ao serem capazes de consertar essa ponte, a relação entre eles volta mais forte do que nunca. Não significa que outra briga não possa acontecer. Afinal, no mundo real, brigas acontecem o tempo todo. Cabe a nós encontrar um meio-termo onde o amor e o respeito sejam levados em conta. Tem um momento em especial em que a gente fica arrepiado. Não pela situação em si, mas pelo que ela significa aos dois.
Temos também o núcleo de Hazel e a mãe de Marko que se encontram dentro de um campo de prisioneiros. Não fica claro exatamente o objetivo do campo, mas pelos diálogos podemos deduzir que a ideia é sumir com os inimigos dos habitantes de Landfall. Tanto que estes campos nem fazem parte do radar de qualquer mapa do planeta. Ao esconder essas pessoas, o esquecimento é o objetivo final. Porque dessa forma as atrocidades cometidas não são percebidas. Existe até uma espécie de reeducação que é feita dentro dos campos para tornar os prisioneiros mais "adequados" para viver dentro da sociedade. Claro que, por serem de uma espécie diferente, eles serão cidadãos de segunda classe, segundo os contornos culturais deles. Achei que o Vaughan poderia ter explorado mais dessa contradição, mas entendi o propósito da existência do campo. Não sei se ele pretende retomar esse elemento de enredo depois.
Hazel é uma existência complicada para as duas espécies. Ao ser uma mestiça ela acaba não se encaixando nem em um lado e nem no outro. Sofre com o preconceito apenas por existir e não consegue ser verdadeiramente livre e agente de seu destino. Um paralelo curioso feito com Petrichor, uma cidadã de Landfall que é transsexual. Quer dizer... não ficou exatamente claro se ela fez mudança de gênero ou se é hermafrodita. A narrativa não avança para nos explicar de forma clara neste volume. Apenas apresenta a personagem e seu dilema. Coloca Hazel e Petrichor como pessoas que tem alguma situação em comum. Mas, existe uma diferença bem curiosa. Enquanto Hazel é uma criança que aprendeu desde cedo a entender as diferenças como uma curiosidade, Petrichor, adulta, age conforme sua cultura. Associa a existência de Hazel a um estupro. Automaticamente. Ela mesma considera Hazel uma aberração e ao invés de ter raiva ou asco, ela sente pena. O que é um sentimento tão ruim quanto. Ou seja, nesse volume somos colocados diante de alguém que pertence a uma minoria dentro de seu povo e que é capaz de ter preconceito em relação a outras minorias. Serve para refletirmos até algumas contradições que vemos em movimentos minoritários, afirmações que devem ser compreendidas com cuidado e respeito. A dinâmica entre Petrichor e os demais personagens de Saga vai ser algo bastante interessante a ser visto nos próximos volumes.
Também temos a dupla de jornalistas. Antes até de falar deles eu preciso parabenizar o roteiro de Vaughan por ser capaz de inserir personagens LGBT com tanta naturalidade e respeito. Nenhum dos personagens é caricato ou possui características superficiais. Todos possuem qualidades e defeitos como qualquer outro personagem. Mas, voltando aos jornalistas, Upsher e Doff estão novamente atrás de Hazel e do que ela representa. E o casal é colocado em um dilema. Ir atrás da notícia e ganhar um espaço amplo e muito dinheiro ou respeitar uma criança e não colocá-la em perigo. São lados curiosos na hora de se apresentar uma reportagem. É um dilema ético e moral que não é fácil ser respondido. Mesmo eu ficaria em uma dúvida. Não só pelos motivos de sobrevivência financeira como Upsher coloca, mas pelo próprio compromisso de um repórter de apresentar a verdade. Mas, a dúvida que fica é se vale a pena colocar uma pessoa inocente em perigo. Não se trata de desinformação, mas como a informação pode afetar outras pessoas. Até gostaria de ouvir outras opiniões porque fiquei sem resposta nessa.
Falar que a arte da Fiona Staples é maravilhosa é uma obviedade. Ela emprega um nível de detalhamento e de cores que deixa a gente encantado. Mas, eu queria comentar hoje sobre um recurso que ela emprega que dá uma sensação bem diferente. É constante ao longo do quadrinho em uma transição entre cenas, termos momentos em que temos uma narração em segundo plano com cenas passando. A narradora é possivelmente uma Hazel adulta que conta como um momento foi importante ou não para ela. É uma ferramenta de uso cinematográfico que fornece um ar contemplativo sobre o que está acontecendo. Mesmo que seja uma cena de ação ou um drama. É algo muito usado em séries de TV e que quando usado em uma HQ redunda em um resultado final curioso. Existe também todo um cuidado com as cenas e como elas nos são apresentadas. Tanto a Fiona como o Vaughan gostam de criar algum impacto no leitor. Vez ou outra temos quadros de uma página inteira que funcionam quase que como momentos climáticos e dão aquele tan-taaaaaaaam do drama.
A série Saga continua a ser um dos materiais de mais alto nível em publicação nos dias de hoje. Os volumes ficam cada vez melhores e a dramaticidade das histórias também. O leitor fica doido de curiosidade para saber quando teremos mais e mais. A Hazel já está se tornando uma personagem mais ativa, agora com a passagem do tempo, e logo logo ela deve assumir um protagonismo ainda maior. Principalmente porque ela é o motivo pelo qual várias histórias são movidas. Então temos que ouvir o lado dela. No mais, Saga é um deleite aos olhos. Não à toa a equipe vive ganhando Eisner atrás de Eisner pela série.
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