Ao ironizar a curta memória política e cultural no país, o escritor Ivan Lessa certa vez escreveu que, "a cada quinze anos, o Brasil esquece os últimos quinze anos". No plano meteorológico, isso é mais do que uma ironia - e a frequência é anual: a cada dezembro e janeiro, o país estranhamente esquece o que aconteceu no dezembro e janeiro anteriores. Habitantes de um território tropical, com chuvas abundantes durante o verão, milhões de brasileiros, no mesmo período de todos os anos, são atingidos por enchentes, desabamentos de casas, deslizamentos de morros e desmoronamentos de estradas e pontes. Desta vez, a maior calamidade resultou em 52 mortes em Angra dos Reis, no litoral do Rio de Janeiro. Vítimas houve não porque choveu, mas porque não poderiam estar onde estavam - instaladas ao sopé de morros geologicamente instáveis. Elas não sabiam do risco que corriam, visto que impera no município fluminense o mais absoluto descontrole sobre a ocupação do território. Um problema visível em qualquer região do Brasil.
Para além do descaso das autoridades com o ordenamento das construções (descaso que tanto pode ser sinônimo de propina como de populismo), a questão é de infraestrutura. Ou melhor, da falta dela. Promotores de obras que acabam custando não raro o triplo do previsto, governo e empreiteiras empregam engenheiros bons o suficiente para executar projetos que deem conta das características climáticas e topográficas do Brasil - e, assim, estender estradas à prova de deslizamentos e desmoronamentos, erguer pontes que não sejam arrastadas pela correnteza encorpada dos rios e proteger cidades de enchentes. Se não o fazem, é porque também contam com o esquecimento dos cidadãos. Que a cada dezembro e janeiro apagam da memória o que ocorreu no dezembro e janeiro anteriores. A conta é paga na forma de vidas sacrificadas, patrimônio perdido e bilhões de reais de prejuízo para um país que dança - só no mau sentido - na chuva.