Orígenes Lessa não escreveu talvez um “romance”, no sentido que lhe dão as definições habituais do gênero; e, creio, não o poderia fazer [...], exigindo o romance, sob qualquer das suas formas, em qualquer dos seus variados tipos, um contraponto de ação e análise, de descrição e aprofundamento, de expressão subjetiva e objetiva, que está evidentemente fora de questão em se tratando da infância. Rua do Sol não é o romance de Paulinho, mas uma série de relances da sua descoberta da vida. A criança só pela imaginação domina a realidade: um enredo, em romance deste gênero, nunca poderá ser senão um pano de fundo sobre o qual os episódios se destacam.
A verdade dos caracteres é por força, num romance da infância, substituída pela autenticidade das emoções, exatamente porque não há ainda “caráter”, tal como ele se pode definir em relação ao homem, e mesmo ao adolescente. E, em Rua do Sol, esta autenticidade das emoções é o que constitui, pela sua intensidade e delicadeza, o valor essencial da obra. Se ela faltasse, de nada valeriam as grandes qualidades “literárias” que fazem do romancista de O feijão e o sonho um dos melhores escritores brasileiros contemporâneos.
[...] Livro admiravelmente escrito, naquela permanente “troca” entre a “língua errada do povo” e o sentido do estilo que é a marca do autêntico escritor, Rua do Sol ficará sem dúvida como um dos livros mais ricos da literatura brasileira de ficção neste setor tão difícil, e que exige uma rara aliança entre as virtudes do romancista e as do poeta.