Francine nos conta que nada entraria em seu estômago, além da vitamina diária. De que ela se nutria? O que a vitaminava, além da vitamina de banana batida com leite? Talvez se nutrisse da recusa, da possibilidade de recusar. Nutria-se de nada. Ela não só não comia: parece que Fran comia o nada, tentando instaurar um vazio onde tudo estava cheio, numa perspectiva de abrir espaço onde alguma coisa pudesse faltar, como se soubesse que o desejo vem da falta. Era preciso nada, e foi preciso nadar para fora de si, como nos conta a personagem quando, aos nove aninhos de idade, sabia que algo precisava morrer para outro horizonte de sua existência, então, nascer. Ao escutar a menina que a habita, ela volta no tempo e dá vida ao abajur que existia no quarto da avó, à boneca Barbie, à roupinha que usava, ao saquinho plástico que embalava pães de queijo, até mesmo ao seu dentinho de menina. Também, nesse voltar no tempo, revisita afetos e muitos daqueles que fazem parte de quem ela se tornou: pessoas que compuseram um tanto dela e vice-versa, pois ela também os compôs. Nessa escrita fortíssima e, ao mesmo tempo, repleta de detalhes tão sensíveis, Fran (re)escreve também narrativas de cada uma dessas pessoas da sua vida, emprestando-lhes palavras, conforme sua própria voz.
Romance