Sim, eles são bem diferentes dos cachorros. Arredios, introvertidos, avessos a manifestações intensas de apreço pelo ser humano, só quando lhes apraz pedem e oferecem carinho, em geral enroscando-se nas nossas pernas, a ronronar e ondular lentamente o rabo, se satisfeitos com o cafuné. Bajular é um verbo ausente do dicionário dos gatos. Independentes e rebeldes por natureza, só fazem o que querem – e quando querem.
“Se você pretende conquistar o mundo, não conviva com um animal que se recusa a ser conquistado por quem quer que seja”, recomendou o zoólogo Desmond Davis, referindo-se aos felinos, mas não sei se pensando em Hitler e Alexandre Magno, dois notórios elurófobos, que é a maneira mais chique, mais New Yorker, de dizer felinófobo.
Os gatos foram deuses no Antigo Egito e filósofos em outra encarnação. Montaigne, que muito duvidava da suposta superioridade do homem sobre os bichos, acreditava que os gatos trocavam idéias entre si. Altas idéias, diga-se. Até em chinês.
Desde sua primeira aparição na New Yorker – num cartum de John Held Jr., publicado na edição de 17 de outubro de 1925, com cinco siameses se estranhando num beco de Chinatown – o gato nunca perdeu o posto de segundo maior xodó do reino animal. O primeiro sempre foi o cachorro, beneficiado pela milenar fama de “o melhor amigo do homem”
e, sobretudo, pelo fato de as pessoas gostarem mais de ficção que de versos. Cachorro é prosa, gato é poesia.
Praticamente todos os gênios gráficos da New Yorker – de Peter Arno e Saul Steinberg a Sam Gross e George Booth – bolaram um gato, explorando essa ou aquela faceta de sua índole, esse ou aquele aspecto de sua personalidade, esse ou aquele traço fisionômico marcante. Na vasta bicharada da revista, há gatos de todos os tipos, de todas as raças: aristocráticos e vagabundos, urbanos e rurais, afetuosos e distantes, rueiros e caseiros, geniosos e matreiros, vaidosos e gozadores, narcisistas e vingativos, gordos, magros, orelhudos – sedutores, sempre.
E, por instinto, exímios caçadores. Basicamente de ratos, camundongos e pássaros. Mas seu perfil Tom tem mais valor de mercado que seu perfil Frajola. Quando procuram emprego (num cartum, claro), logo perguntam por suas referências como caçadores de ratos. Para eles, montar guarda diante de um buraco no rodapé de uma parede é incomparavelmente mais divertido do que assistir a um programa de televisão, ver um filme ou jantar fora, preferência que Sam Gross, Tom Cheney e Mick Stevens exploraram de forma magnífica.
Os gatos matam de inveja os cachorros com sua incrível habilidade para saltar, escalar e jamais cair ao solo de lado, de barriga para cima ou de cabeça para baixo. Por essas e outras, costumam esnobar seus maiores rivais, tratando-os como criaturas inferiores, até no paladar. “Você comeria comida de gato, mas eu nem encostaria numa comida de cachorro”, comenta um gato de Sidney Harris, no balcão de um bar, enquanto almoça com um...“inferior”.
Preguiçosos e pachorrentos, dormem tanto (média de vinte horas por dia) que podem até dar a impressão de que adoeceram ou morreram, situação que o sempre mórbido Gaham Wilson não resistiu à tentação de transformar em cartum em 1987. Porque são indolentes (ou lânguidos e sensualistas, como preferem qualificá-los os seus mais refinados
admiradores), fizeram de sofás, poltronas, almofadas e gavetas os seus refúgios domésticos favoritos. E não apenas para tirar uma soneca. Afi ar as unhas em estofados é um dos maiores prazeres do gato. Há cinco cartuns neste livro (assinados por Tom Cheney, Sam Gross, Mike Twohy, David Cipress e William Haufeli) dando conta dessa idiossincrasia.
E um sexto, de Gaham Wilson, demonstrando que, na falta de um estofado, um bem torneado pedaço de madeira serve, mesmo que seja a perna-de-pau de um pirata de maus bofes, como Long John Silver.
Mas nada se compara a um bom estofado. No céu dos gatos há uma poltrona para cada felino contemplado com a vida eterna, insinua um cartum de Cheney. E como todo gato vai para o céu, haja poltrona.
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