A história da literatura é a história de muitos roubos. Desde o início dos tempos, escrever é reescrever. Alguns escritores conseguem esconder o crime e a arma. Outros, no entanto, não se prestam a tais pirotecnias. É o caso de Marina Maria. Nenhum poema deste livro foi originalmente escrito por ela. Eles surgiram a partir de um truque que consiste em anotar frases absurdas, pitorescas e engraçadas ditas por pessoas, conhecidas ou desconhecidas, em lugares diversos como uma festa chata com gente esquisita ou uma viagem interminável de ônibus para São Paulo.
Marina sempre agiu clandestinamente, no happy hour da firma e nos almoços de família, até que resolveu matricular-se numa oficina de escrita. Foi lá que descobriu o livrinho Delírio de Damasco, da escritora gaúcha Verônica Stigger, que parte do mesmo procedimento que Marina vinha, de modo tímido, experimentando. A partir daí, Marina intensificou seu processo de apropriação, fazendo do roubo um gesto artístico.
O poeta e ensaísta norte-americano Kenneth Goldsmith costuma afirmar que, depois da invenção da internet e do volume inimaginável de textos que circulam diariamente pela rede, os escritores deveriam parar de escrever novas frases e trabalhar, exclusivamente, com material já existente, tornando-se assim “processadores de textos”. Processar textos não deixa de ser, entretanto, um gesto autoral, e é justamente aí que reside o paradoxo e, também, a graça de Todo aprendizado termina em herpes. Se por um lado os poemas deste livro não foram escritos originalmente por Marina Maria, eles foram criados por ela.
Os poemas de Marina Maria têm a capacidade de transformar uma fala particular e privada em falas públicas e coletivas. Tenho certeza de que vocês, como eu, irão se identificar com esses poemas cheios de humor, ironia e de um certo drama, porque sim, somos alegres e tristes, exagerados e melodramáticos, narcisistas e hipocondríacos, somos, sobretudo, patéticos deslocar falas ordinárias e comuns para o território do poema, em que tudo é sentido de outro modo, amplificado, Marina sensibiliza nosso cotidiano, fazendo da poesia não apenas um espaço de contemplação, mas, principalmente, de sobrevivência: este país tá sem condições.
Ao terminar a leitura deste livro, temos a convicção de que esses poemas só poderiam ter sido escritos por Marina Maria. Eles são simultaneamente originais e geniais, resultado do atrito da poeta, seu ouvido afiado e pensante, com este mundo tão absurdo.
Flávia Péret
Poemas, poesias