Vidas Sêcas

Vidas Sêcas Graciliano Ramos


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Vidas Sêcas





A imagem do barro estorricado em uma imensidão árida é a que vem em mente quando se pensa em sertão nordestino: “… a terra ardendo qual fogueira de São João…”, como dizia o rei do baião Luiz Gonzaga em Asa branca. No entanto, em Vidas secas, o retrato vai além do espaço natural. Nesse romance tudo é seco: a terra, os seres, a vida. Até as palavras são secas.

O quarto romance de Graciliano Ramos é um clássico que sobrevive desde 1938 quando foi publicado, junto com a problemática da estiagem no polígono das secas, para denunciar a triste situação de miséria a que estão expostos os habitantes dessa região e que provoca a migração em busca de trabalho e sobrevivência. O autor se utiliza da linguagem local, transporta o leitor ao sertão da catinga, dos juazeiros, xiquexiques, mandacarus e do gado magro. Denuncia uma dura realidade, sem atenuantes.

Em 1962, a obra foi considerada como representativo da Literatura Brasileira Contemporânea pela Fundação William Faulkner (EUA). Tem pelo menos 20 edições estrangeiras, além de ter sido adaptada ao cinema em 1963 pelo diretor de cinema Nelson Pereira dos Santos.

Graciliano nasceu em Alagoas em 1892 e viveu em terras nordestinas boa parte de seus 60 anos de vida, tendo conhecido bem essa situação. Escritor, atuou no jornalismo e também na política e é, ao lado de Jorge Amado, Guimarães Rosa, José Lins do Rego, Rachel de Queiroz, Erico Verissimo, representante de peso da conhecida Geração de 30, que corresponde a leva de escritores que no período pós-modernista deu impulso aos romances regionalistas brasileiros.

O projeto literário dessa geração era lançar luz à realidade socioeconômica do Brasil mostrando através da literatura como o ambiente influenciava a vida das pessoas e, principalmente, como aprofundava ainda mais as diferenças entre os menos favorecidos e a oligarquia dominante.

Vidas secas nasceu do conto Baleia, em que a personagem principal era ironicamente a esmirrada cachorrinha de uma família de retirantes no interior do nordeste. A história era tão latente que não tinha como ficar só no conto e Graciliano escreveu os outros capítulos que compõem o todo. O resultado é que estes podem ser lidos na ordem disposta ou não, sem comprometer a compreensão.

A família é formada pelo vaqueiro Fabiano e sua companheira, sinha Vitória, e os filhos do casal. Sem recursos materiais, eles perambulam pelo sertão para fugir da seca e sobreviver. Nessa angústia, passam por episódios difíceis e humilhantes.

Fabiano é um vaqueiro rude que mal sabe se expressar e, embora seja o arrimo da família, não consegue ser assertivo o suficiente para se defender diante das adversidades, do domínio do patrão que se aproveita da sua ignorância para explorá-lo, do poder do soldado amarelo que o oprime, do vício da pinga e do jogo. Mesmo assim, o autor lhe confere uma consciência, quase externa a essa aparente fraqueza para, de alguma forma, transmitir ao leitor a dignidade da personagem.

“O pirralho não se mexeu, e Fabiano desejou matá-lo. Tinha o coração grosso, queria responsabilizar alguém pela sua desgraça. A seca aparecia-lhe como um fato necessário e a obstinação da criança irritava-o. Certamente esse obstáculo miúdo não era culpado, mas dificultava a marcha, e o vaqueiro precisava chegar, não sabia onde.”

Sinha Vitória é uma mulher desgostosa com a vida, se recente das agruras e desconta nos filhos e nos animais. Ao mesmo tempo, consegue ter um pouco mais de noção do que se passa a sua volta como no caso em que constata que os pássaros que bebiam da pouca água do bebedouro acabariam por matar o gado de sede, coisa que Fabiano não conseguia entender. Ainda com toda a desgraça, ela se permite desejos, como a cama de couro e o corte de chita vermelha.

O casal tem dois filhos que, propositalmente, não têm nomes: um é o filho mais velho e o outro, o filho mais novo. São crianças que, além da fome, não estudam e estão isoladas, o que contribui para a conclusão de que, assim como os pais, não terão como fazer outras escolhas. Nesse contexto, é interessante que Graciliano lhes preserva a visão ingênua pois, a seu modo, são felizes. O menino mais novo deseja ser vaqueiro como o pai e o mais velho se surpreende ao conhecer a palavra inferno e constatar que era um lugar ruim já que, para ele, todos os lugares que conhecia eram inacreditavelmente bons.

Nessa convivência, Baleia é a fiel companheira. O autor também atribui sentimentos e sonhos à ela o que poderia lhe sugerir uma personalidade quase humana mas são as personagens que, na verdade, estão mais próximas a serem comparadas aos animais. O próprio Fabiano, em um trecho, se vê como um bicho.

“Coçou o queixo cabeludo, parou, reacendeu o cigarro. Não, provavelmente não seria homem: seria aquilo mesmo a vida inteira, cabra, governado pelos brancos, quase uma rês na fazenda alheia.”

Essa comparação é real dado que, embora tenham pequenos sonhos, o que resta à família é uma eterna fuga pois não lhes chega nenhum tipo de socorro ou apoio. Eles simplesmente sobrevivem e vagam como vira-latas. Se o fenômeno da seca é natural ao ambiente, a desgraça não. Ela é obra do descaso, da falta de estrutura que não chega a região como política porque a concentração de recursos não deixa. Sendo assim, a única possibilidade é atender minimamente às necessidades fisiológicas para não morrer.

A esperança fica por conta de um dia distante chover e florescer no sertão ou, na possibilidade de que possam arriar suas trouxas no sul, os meninos pudessem ir à escola. Em alguns momentos de lucidez, Fabiano consegue vislumbrar algo de diferente no vizinho, seu Tomás da bolandeira, que sabia ler. De alguma forma, o autor achou importante, até ali no meio do semi-árido, representar a educação como prática da liberdade teorizada posteriormente por Paulo Freire, outro filho ilustre do Nordeste Brasileiro e que viria mais tarde a desenvolver o projeto de alfabetização de adultos na região.

“Ia chover. Bem. A catinga ressuscitaria, a semente do gado voltaria ao curral, ele Fabiano, seria o vaqueiro daquela fazenda morta. Chocalhos de badalos de ossos animariam a solidão. Os meninos, gordos, vermelhos, brincariam no chiqueiro das cabras, sinha Vitoria vestiria saias de ramagens vistosas. As vacas povoariam o curral. E a catinga ficaria toda verde.”

Como escritor, Graciliano Ramos contribuiu para mostrar a realidade social através da literatura através de um livro absolutamente comovente. Seja pelas personagens humanas, seja por Baleia, cujas sinas convergem.

Enquanto Asa branca de Luiz Gonzaga traz uma certa beleza no embalo do baião, Vidas secas é despida de qualquer romantismo. Emociona simplesmente com os fatos e cumpre ao final a missão de narrar uma história verdadeira criando um vinculo maior de consciência entre a realidade e o leitor.

- Texto retirado de: https://refugioameno.wordpress.com/2016/12/09/vidas-secas-graciliano-ramos/

Literatura Brasileira / Ficção / Romance

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on 3/3/13


Graciliano me impressionou com este livro. Seu modo seco de descrever a vida árida desses nordestinos, abusando de "expressões sertanejas" para mim, é o que torna este livro realmente brasileiro. O livro nos conta a estória, fictícia não sei até que ponto, de uma família nuclear formada por personagens singulares que vive fugindo da seca do sertão e sonhando com uma vida melhor, uma vida grande. Fabiano é um pai rude, que passa a vida consertando cercas e domando animais; sinhá ... leia mais

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14/07/2023 11:07:39
Jeanine
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