Numa velha revista ou jornal, lembro haver lido uma história, contada como verdadeira, de um homem - vamos chamá-lo de Wakefield - que se afastou voluntariamente por um longo tempo de sua esposa. O fato, visto assim de maneira abstrata, não é propriamente incomum e nem deve - sem uma conveniente distinção de circunstâncias - ser condenado por maldade ou por disparate. Seja como for, ainda que distanciado de outros piores, este é talvez o mais estranho exemplo, em registro, de delinqüência marital; e, além do mais, um capricho entre os mais notáveis que se possa encontrar na lista das extravagâncias humanas. O casal vivia em Londres. O marido, a pretexto de ter que viajar, alugou um aposento em rua próxima de sua própria casa, e ali, sem que a esposa e os amigos o percebessem, e sem qualquer justificativa para o autodesterro, viveu afastado por mais de vinte anos. Durante esse período, ele olhava o seu lar a cada dia, e com freqüência avistava a abandonada senhora Wakefield. E depois de tão grande vazio na sua felicidade matrimonial - quando sua morte já era dada por certa, sua herança dividida, seu nome apagado das memórias, e sua esposa há longo, longo tempo resignada à outonal viuvez - ele entrou pela porta uma noite, tranqüilamente, como se houvesse estado ausente apenas um dia, e se tornou um esposo dedicado até morrer.