O poema O Fauno ou A Tarde dum Fauno, poderosa estrutura verbal, em tudo superior ao Lance de Dados, foi recusado pela revista Parnasse Contemporain em 1875, ainda que apresentando métrica e rima “oficialmente aceites”. A sua celebridade dever-se-á, decerto, ao Prelúdio escrito pelo compositor Claude Debussy em 1894, o que é injusto. Organizado em função da estrutura parnasiana que eu tive todo o prazer em trair ao traduzir, nele a natureza e o desejo estabelecem um diálogo de paixão que supera os referentes clássicos e os luminosos sinais do simbolismo que, na época, teriam sido o principal motivo da recusa da sua publicação naquela revista. A sensualidade que atravessa o texto não apresenta qualquer marca mental que nos indique o caminho para o árido Absoluto, nem o Verbo parece resultar dum pensamento impotente em equilibrar-se no espaço vazio da Ideia. (…) O Lance de Dados é, como se sabe, o último poema de Stéphane Mallarmé, publicado em 1897, um ano antes da sua morte no lugar de Valvins, junto a Fontainebleau. Como também é sabido, o que surgiu depois foi publicado contra a vontade expressa do poeta. Estamos muito, já muito longe dos “fogosos impulsos” do Fauno e definitivamente encaminhados para a prosódia da imutabilidade do Nada. Em Abril de 1893, o poeta teria afirmado: “Nos meus últimos dias joguei um pouco da minha vida”. Não se dirá que seja profecia, quando se sabe que ao longo de uma existência de 56 anos, Mallarmé, adulto e literato, sempre tentou jogar a sua vida. Mas, como se diria em gíria futebolística, sempre jogou em casa, ao contrário do “andarilho” Rimbaud. Por isso, nada melhor que, na “dúvida do Jogo Supremo”, forçar a palavra ao intemporal dos cristais perdidos, dos logaritmos e da impotência, tendo em conta que o real, na sua plenitude possível, e ncobre e desvela sem nos consultar, criando em nós a angústia do mistério de todos os acasos dos quais esse real é o único senhor. (…)