Em dias normais, os facões seriam empregados nas atividades agrícolas ou pastoris, como lavrar o campo, retirar as bananas, cortar a cana ou cuidar do gado. No entanto, não foi isso que aconteceu em Ruanda naquela manhã. Do cotidiano bucólico da vida dos moradores de Ruanda, João Samuel Rodrigues faz o leitor entrever a atmosfera tensa que precede a irrupção de outro evento, não bucólico, não cotidiano. Naquela manhã, os facões teriam outros usos. Os hutus os afiariam com outros propósitos: matar os tutsis. Estima-se que 800 mil a um milhão de tutsis foram assassinados de abril a junho do ano de 1994. Vinte anos depois, o massacre de Ruanda impõe um desafio à compreensão: como pensar o impensável? O trabalho de João Samuel nos convida à coragem desse exercício. O esforço de pensar o impensável tem um sentido político: arrancar o evento da invisibilidade da sua incompreensão é retirá-lo do inaudito da experiência humana e recolocá-lo na história dos homens. O evento é apenas o desfecho de um enredo que não começa e infelizmente não termina nele mesmo. João Samuel mostra que o genocídio de Ruanda é o desdobramento infinitamente trágico de uma história que o precede: a violência do colonialismo dos países europeus na África e os dilemas da construção da nação no período pós-colonial que se seguiram às lutas pela independência.
Geografia / História / Política