O Filoctetes (409 a.C.) baseia-se no contraste entre três figuras, duas que se opõem frontamente, Filoctetes e Ulisses, e uma terceira que é atraída ora para a esfera de um, ora para a esfera do outro, Neoptólemo. Filoctetes, o homem abandonado que a solidão e o sofrimento endureceram, sem lhe destruírem a sensibilidade; Ulisses, o político sem escrúpulos morais que age pelo oportunismo e o interesse e utiliza quaisquer meios para conseguir os seus objetivos; Neoptólemo, o jovem ingénuo, bom e generoso, que aprende com as situações embaraçosas, e sofre uma visível transformação psicológica. Da correlação de forças entre estas três personagens nasce e se desenvolve a ação.
Neste aspeto Filoctetes é um tanto diferente da generalidade das peças conservadas de Sófocles.Nelas aparecem frequentemente personagens secundárias, cuja missão fundamental é a caracterização, por contraste, do protagonista ou de outra personagem central. É o caso de Ismena na Antígona, de Crisótemis na Electra. Diferentemente, o Filoctetes não tem personagens secundárias que venham caracterizar, por contraste, os seus interlocutores. São praticamente três figuras, a que devemos juntar o Coro, e todas elas importantes, a ponto de não haver unanimidade quanto à figura central.
No entanto, o nome dado por Sófocles à peça foi o de Filoctetes, e isso tem um significado. O que Sófocles quis pôr em cena foi a tragédia do homem solitário que a ingratidão, a deslealdade, a injustiça lançaram numa ilha deserta, o drama do homem que dez anos de solidão endureceram no ódio e na revolta. Filoctetes não se deixa dobrar e prefere quebrar. […] Embora a injustiça sofrida lhe tenha provocado um ódio entranhado a Ulisses e aos Atridas, não o fez descrer de todo nos homens, como está patente na necessidade que sente de ajuda e no desejo que manifesta de sair da ilha deserta e de regressar à pátria.
Fábula