Nesse primeiro álbum da série 'O Gato do Rabino', o francês Joann Sfar, aclamado expoente do quadrinho mundial, nos guia em uma saborosa fábula protagonizada por um felino, que discute o judaísmo com humor mordaz e inteligente. Ao engolir um papagaio, o gato conquista o poder da palavra e começa a questionar se não seria judeu e se não deveria por isso ler a Torá e fazer seu bar mitzvah. Para tentar resolver assunto tão delicado, o rabino é obrigado a consultar outro rabino, que por sua vez... Pelos olhos atentos do gato do rabino, o leitor ambienta-se na Argélia do início do século XX - local onde habitam uma comunidade de judeus sefarditas e o narrador dessa bem-humorada narrativa. Em uma bela homenagem à cultura judaica e aos pintores argelinos do século XX, Sfar une a força expressiva de seus desenhos a discussões poéticas, e faz desse livro uma obra única no gênero.
Opinião do Leitor:
Manuel Lourenço / Data: 7/3/2008
Conceito do leitor: | (opine)
Quadrinhos inteligentes
Realmente é uma beleza quando a inteligência, a beleza e o riso ''aparecem'' impressos juntos numa folha de papel para levantar e discutir questões importantes. No caso, a religião e seus fundamentos, seus dogmas, seus pilares. Vale o investimento.
Saiu na Imprensa:
Diário de Pernambuco / Data: 3/4/2006
O gato do rabino
Mascaro
A editora Jorge Zahar dá mais um importante passo para aproximar o mercado nacional do quadrinho francês atual, com o lançamento de 'O gato do rabino', de Joann Sfar. Uma lacuna que aos poucos é preenchida para o deleite de leitores mais exigentes. É prova de que há mercado associado aos neurônios pensantes.
Joann Sfar tinha 30 anos quando escreveu 'O gato do rabino', certamente inspirado pela dialética que encontrou na filosofia, objeto de seu mestrado. Em que pese a profundidade do seu texto, seu talento maior é a simplicidade de sua narrativa, que proporciona ao leitor um prazer raro de encontrar em outros autores. Suas histórias lembram, de certa forma, a literatura de Osman Lins, ou os livros mais inspirados de Ariano Suassuna.
Imaginem o gato de um rabino na Argélia do século 19. Esse gato come o papagaio da casa e, de repente, aprende a falar. Desconfiado e temeroso, o rabino não deixa mais o gato sozinho com sua filha, e resolve ensinar a Torá, o Talmude e outros escritos e ensinamentos sagrados do judaísmo ao gato. O gato pede para fazer o Bar-Mitzvah (similar a primeira comunhão católica). Sem argumentos para fazer o gato desistir, o rabino vai se aconselhar com seu rabino.
Na presença do rabino, o gato solta toda a sua verve questionadora, insistindo no desejo de fazer o Bar-Mitzvah. O mestre do rabino fala da impossibilidade de realizá-lo argumentando tratar-se de uma iniciação para os humanos. O gato, então, pergunta ao rabino qual a diferença de um humano e um gato; o rabino do rabino responde que Deus criou o homem 'a sua imagem e semelhança'. O gato então pede para o rabino do rabino mostrar uma imagem de Deus. Ele responde que Deus é uma palavra. No que o gato retruca que 'se o homem é semelhante a Deus por saber falar, ele era semelhante ao homem'. Os questionamentos levantados pelo gato são mordazes, constrangedores. Enumerá-los é tirar um tanto da graça da história.
Na verdade o desejo do gato em realizar o Bar-Mitzvah era porque ele queria dar em cima da filha do rabino, no que se desdobra em outra discussão impagável sobre o amor à religião e o desejo. Quando um jovem aprendiz de seu rabino entra em cena, se insinuando para sua amada, ele fica enfurecido por não poder dizer nada, impedido que estava por uma promessa feita. Mas suas observações e revelações continuam feridas. O mérito do livro de Joan Sfar não reside apenas em seu texto primoroso. Seu desenho é belíssimo, acompanha a atmosfera da história num casamento perfeito. Tosco numa primeira vista, mas de uma expressão singular, Sfar é tão bom no traço quanto nas letras.