A obra de estreia de Vitor Necchi reúne 60 crônicas de procedências distintas. De algumas, há uma primeira versão publicada em veículos impressos e digitais. Outras foram escritas para redes sociais e – safra mais antiga – para um blog, o Cacto, que o autor manteve nos primeiros anos deste século.
Os textos conectam-se a três temporalidades: o presente, ao tratar de assuntos contemporâneos, entre eles os escombros de um mundo fraturado e violento; o pretérito, ao recuperar reminiscências, personagens, fatos e o universo afetivo e cultural do autor; e um terceiro tempo que pode ser definido como um momento de transição, em que a produção de Necchi atenua a prevalência do jornalismo para se direcionar também à narrativa ficcional.
É possível pensar em uma outra perspectiva que atravessa os textos, mas desconectada do tempo: trata-se do olhar minucioso e atento, por exemplo, às dinâmicas que tiram uma palavra do imaginário social ou à promessa de vida garantida pela flor de um cacto.
Em tempos de transformações constantes, ondas de intolerância, ódio e violência nas ruas, o autor oferece ao leitor uma obra sensível, que flagra instantes banais da experiência cotidiana para transmutá-los em questões filosóficas.
Com uma escrita elegante, o texto de Necchi tem um ritmo quase musical e repleto de referências às artes, à música, ao cinema e à literatura. As crônicas suscitam reflexões sobre temas diversos, entre eles memória, imediatismo das notícias, morte, privacidade, racismo, ascensão de movimentos fascistas e o impacto de um beijo gay na novela.
Entre a crônica jornalística e a literatura ficcional, Não existe mais dia seguinte é um importante registro sobre a sociedade brasileira contemporânea.