Toni 19/02/2020
Não existe mais dia seguinte [2018]
Vitor Necchi (RS, 1970-)
Editora Taverna, 2018, 196p. 📖
Minhas leituras no gênero crônica até hoje se limitaram a um punhado de escritores: M. de Assis (pela delícia), C. Lispector (pelo sobressalto), C. Drummond de Andrade (pelo corriqueiro), L. F. Telles (pela tentação) e, claro, J. Saramago (por necessidade). Mesmo assim, fazia um bocado de tempo que eu não me permitia o prazer de ler, devagar e ao gosto das brechinhas de descuido, um livro de crônicas. Enviado pela @editorataverna , “Não existe mais dia seguinte” me acompanhou entre outubro e a noite de ontem, e rendeu ótimas conversas cá comigo. 📖
Não deve ser fácil montar um livro como este. A crônica foi criada, em sua essência, para dar conta do tempo presente, daquilo que preenche noticiários e conversas de fila do pão (cada vez menos frequentes—as conversas, não as filas—pelo risco crescente de se trocar amenidades com um fascista ou eleitor de quem homenageia torturadores). A dificuldade consiste, portanto, em selecionar quais textos têm “validade” (palavra terrível) mais duradoura e, ao mesmo tempo, possam também dar um testemunho da época em que foram escritos, bem como de quem os assina. Tarefa levada a bom termo por Necchi, que nos entrega um livro coeso e emocionante, ora anedótico ora provocativo, mas sempre político (no sentido da palavra que precisamos resgatar—de visão de mundo, responsabilidade e questionamento). 📖
Candido consagrou à crônica a expressão "vida ao rés do chão". Vitor Necchi nos devolve uma definição de vida no olhar, no detalhe comezinho, nos gestos que parecem frugais mas estão carregados de sentido. Do beijo gay na novela à travesti crucificada, da canção de Billie Holiday em sala de aula ao garoto de 12 anos que queria uma foto sozinho, os textos de “Não existe mais dia seguinte” parecem pouco afeitos a ficarem restritos ao piso, asfalto ou terra batida. Eles vivem nos vãos entre prédios das grandes cidades, no silêncio dos obituários, na intimidade das gavetas, nos saltos que damos no escuro. E são, sem dúvida, mais potentes e longevos que pronunciamentos ao som de uma ópera de Wagner.