Coração das Trevas é um dos clássicos mais celebrados da literatura mundial. Publicado há mais de cem anos, influiu na obra de grandes escritores, fascinou e ainda fascina milhões de leitores que apreciam boa literatura e é sinônimo de excelência nos meios universitários. Hoje, quando o mundo parece mergulhar de novo em trevas, tornou-se também um texto de impressionante atualidade.
Esta obra-prima não foge ao estilo característico de Joseph Conrad, marcado sempre pela sutileza da observação, pelas meias-tintas da linguagem – não à toa muitos o consideram o criador do impressionismo na arte –, pelo cuidado em deixar espaço para a contribuição do leitor na formação das imagens e na conclusão da história.
O livro narra, com refinada arte e suave ironia, a viagem de um capitão de navio aos confins da África, numa área sob colonização europeia. A atividade mais intensa dos europeus lá era torturar escravos negros, para com eles matar ou desenterrar elefantes, a fim de juntar montanhas de chifres desses animais – o marfim –, mercadoria de alto preço da época. A crueza do tema, porém, não impediu Conrad de levar à imaginação do leitor o fascínio pela beleza e pela poesia das paisagens que visitava – a natural e a humana.
Ao mesmo tempo, com pano de fundo na barbárie que foi a exploração colonialista na África no século XIX, o livro empreende uma excursão aos limites mais extremos do comportamento do ser humano, no qual este se permite chegar às atrocidades mais infames, ao completo desregramento, à total obscuridade da razão. Bastava-lhe apenas a ideia autojustificadora de estar em missão de agente da civilização ocidental junto a povos que a ignoravam ou recusavam.
Cento e cinquenta anos transcorreram desde aquelas empreitadas colonialistas na África e em outros continentes. Quando se pensava que, após a vitória democrática contra o nazismo na II Guerra Mundial, tinham ficado para sempre no passado, eis que a falsa bandeira de expandir à força os valores ocidentais é de novo erguida, e vista como coisa natural pela mídia e pelos meios políticos dominantes na Europa e na América, a fim de justificar aventuras bélicas de pilhagem neocolonial na África e na Ásia .