Fernanda631 17/12/2022
O Eterno Marido
O Eterno Marido foi escrito Fiódor Dostoiévskie foi publicado em 1870.
Iremos ler sobre um triângulo amoroso. Um assunto comum de romances, mas, Dostoievski é cômico, sarcástico, inteligente e provocador o que torna a leitura dinâmica. A obra nos conta sobre o encontro de Pável Pávlovitch (o eterno marido) e Vieltchâninov, ex-amante da falecida esposa de Pávlovitch.
A história começa com Vielchânino já com seus quarenta anos sofrendo com suas memórias, diria eu, arrependido das humilhações que causou no passado, dos relacionamentos com mulheres já comprometidas.
A história de O Eterno Marido não foge a mais apurada competência de Dostoiévsk. É a saga de dois homens que se vêm na obrigação de passar a limpo uma grave afronta do passado, se estudando e testando os nervos, um do outro e vice-versa, como dois animais concorrentes. Mas não pense que possa haver alguma baixaria nos conflitos de Dostoiévski, pois até para ofender há classe em seus diálogos.
A trama deste livro é narrada em 3ª pessoa. A narrativa até parece simples, pois envolve um tema até comum na literatura: o triângulo amoroso. Mas para quem conhece tanto os conflitos internos do ser humano como Dostoiévski, a traição, o amor e a vingança se transformam em prato cheio para a construção de um romance inteligente e cheio de suspense.
Depois de quase uma década de ausência, Pávlovitch vai encontrar Vieltchâninov, com um objetivo pouco claro e que vai muito além de um puro e simples “acerto de contas”. E é desse encontro entre o marido, agora viúvo, com o ex-amante de sua mulher. Dostoiévski constrói os diálogos que vão servir como o fio condutor dessa história.
No começo da leitura, percebemos que o personagem começava a se arrepender da forma como viveu quando jovem. Neste primeiro capítulo, a leitura é um pouco arrestada, pois se dedica a apresentar o personagem e a maneira como este pensa, estilo muito usado pelo autor.
Veltchanínov é um homem de meia-idade perto dos 40 anos, e um solteirão, sem filhos e já encaminhando aos seus anos finais, residente de São Petersburgo, rico e bem relacionado com a classe nobre. Traz em sua bagagem uma personalidade arrogante, estúpida e de completo desprezo por aqueles que diferem de si por suas condições financeiras ou posições sociais.
Além disso, até pouco tempo ele se gabava de suas relações com mulheres casadas, algo que, além do prazer do ato em si, lhe rendia a troça para com os devidos homens traídos (os “cornos” das relações), com os quais, em algumas ocasiões, mantinha até mesmo uma espécie de amizade.
Algo começa a incomodar Veltchanínov: uma tal “coceira mental”, provinda talvez de uma certa crise de consciência ao analisar suas ações no passado. Vem com ela uma crônica irritação, que o faz se tornar insuportável até para si. Sempre distraído, quase não percebe estar sendo seguido por outro com veste de luto, não fosse à insistência do estranho.
Muito provavelmente esse incômodo que ele sente agora tenha se originado a partir das visões repetitivas nas ruas de São Petersburgo de uma certa figura, cujo chapéu era adornado com uma fita de luto, que ele parecia conhecer, e que talvez o estivesse perseguindo.
O reconhecimento sobre a pessoa veio em uma noite de insônia, em plena madrugada, quando Vielchânino olha pela janela e vê o estranho olhando do outro lado da rua diretamente para sua janela.
Era seu "grande" amigo, Pávlovich, uma amigo que não via anos
Mas a sensação que lhe vem do íntimo é do tal não ser tão estranho assim, descobrindo, quando o enlutado se põe prostrado em sua porta, se tratar de Pavel.
O segundo capítulo apresenta um segundo personagem, crucial para a leitura: Pavlovitch. Pavlovitch é visto por Veltchaninov na rua, por diversas vezes. O protagonista, sem reconhecer o colega, fica angustiado, tentando lembrar quem é esta pessoa, que anda com uma fita crepe no chapéu, representando um momento de luto. Após um encontro, de certa forma, assustador, o protagonista se recorda de Pavlovitch, que nada mais é do que o esposo de Natália, sua amante (favorita) por um ano. Os dois não se encontravam há anos, por isso a dificuldade de o reconhecer.
Pavel conviveu com Veltchaninov durante um bom tempo. Veltchaninov estava fora de sua cidade e frequentava a casa de Pavel constantemente. Mas não apenas se instalou na casa dele, como se tornou amante da esposa, bem debaixo das barbas do marido. Pavel veio informar que a sua esposa havia falecido.
A partir daí a história começa a ficar tensa, sob o sentimento de culpa de Veltchaninov e o comportamento enigmático e vexaminoso de Pavel, que todo momento o constrange, pela embriagues; e o tortura, por não deixar claro se soube ou não do caso extraconjugal da falecida esposa.
Vielchânino fica se perguntando o que o leva em plena madrugada e depois de anos bater na sua porta, mas, Pávlovich, esta confuso, "atrapalhado" das idéias, e joga a bomba para Vielchânino, está de luto, pois, sua adorada esposa Natalia faleceu.
O passado se faz presente Vielchânino relembra o quanto foi apaixonado por Natalia, mas, essa o dispensou e eles nunca mais tiveram contato.
Decidido a descobrir o real motivo que levou Pávlovich aparecer após anos, Vielchânino resolve no dia seguinte ir visitá-lo e descobre que ele não está sozinho, mas, acompanhado de sua filha Lisa.
Vielchânino também fica encantado com Lisa, eu diria que surge ali um amor paternal e ele começa a fazer algumas contas, será que realmente Lisa é filha de Pávlovich?
Será no encontro que Veltchaninov conhecerá Lisa, a menina de oito anos, filha de Pavel Pavlovitch e de Natália Vassilievna, e reconhecerá nela a verdadeira intenção do outro em lhe reencontrar: apresentar a menina ao seu verdadeiro pai; ele, Veltchaninov.
O encontro com Lisa faz com que Veltchaninov reconheça nela traços da mãe e dele mesmo, fazendo com que creia ser o verdadeiro pai da criança. O sentimento de paternidade, assim como a sua indignação, cresce ao saber e presenciar os maus-tratos que Lisa sofre.
A história se desenvolve através de lances dramáticos e a disputa entre os pais, Alexei Ivanovitch (Veltchaninov) e Pavel Pavlovitch, parece ter lances inacreditáveis de imoralidade e covardia, mas, se não fosse assim, não seria uma história de Dostoiévski.
O enredo é organizado com momentos de tensão e suspense, quando percebemos que o outro deseja matar Veltchaninov, após descobrir dos amantes de Natália, recentemente falecida. Não fica claro se Pavlovitch sabe do romance entre sua esposa e o personagem principal, e este desconhecimento deixa a leitura quase angustiante.
No título, “eterno marido” diz respeito ao homem que é traído pela esposa. Neste romance, Pavlovitch pode ser considerado um eterno marido, pois sempre se dedica a fazer de tudo pela pessoa amada, sem muito senso crítico nisso.
Algo que ainda fica mais claro é a curiosa relação amistosa dos dois, tanto quanto a intrigante permissibilidade de um para com o outro, ainda que haja certa periculosidade nessa aproximação. Basta vasculhar a consciência de Veltchanínov e você encontrará tudo lá, encoberto por algumas linhas, descoberto por outras. Mas isso leva tempo.
A construção de Pávlovitch, o bobo e o “eterno marido”, e de Vieltchâninov, um típico “mulherengo” de São Petesburgo, está nas atitudes de cada personagem, em suas reações aos acontecimentos – alguns bem dramáticos – que vão se desenrolando durante a leitura.
O Eterno Marido é uma obra da maturidade de Dostoiévski e revela um autor capaz de trabalhar assuntos espinhosos – como a traição amorosa e o abandono de uma criança – e explorá-los até o limite do grotesco e da abjeção humana, fazendo com que as aparentes vítimas se tornem algozes cruéis e sádicos.
Um romance curto, mas, perfeito! Interessante que Dostoievski escreveu Eterno Marido porque estava fugindo de credores e precisa de dinheiro.