Gabrielle 12/02/2010
Pela narração da história do carro número 66 das Rondas Ostensivas Tobias Aguiar, Caco Barcellos denuncia 22 anos de execuções dessa unidade especial da PM. Narciso Kalili, ainda na apresentação, diz: “Caco Barcellos é um jornalista que tem lado”. O lado ao qual Narciso faz referência é o dos oprimidos, dos fracos. Rota 66 não foge à regra. A narrativa procura, por meio de levantamentos, fazer uma grave denúncia da impunidade, violência e preconceito difundidos pela Polícia Militar.
Em 1975, três jovens de classe média alta foram vítimas da Rota. O perfil dos assassinados, no entanto, era a chamada “exceção da regra”. O grupo que fora criado para combater guerrilheiros no período da ditadura continuou a exercer seus massacres mesmo depois da abertura política. As mortes desses três jovens comprovam o tipo de sistema de extermínio desenvolvido pelos matadores: matar para depois perguntar.
No dia 9 de abril de 1970, a Polícia Civil e a da Força pública se fundiram dando origem à Polícia Militar de São Paulo. No 1º batalhão da PM encontra-se a unidade responsável pelos estudos de Barcellos, a Rota. As metralhadoras usadas pela Ronda Ostensiva Tobias Aguiar são as mesmas que as de quatro anos atrás, utilizadas na ditadura para combater guerrilhas. Os inimigos, porém, são diferentes.
A Polícia da época da ditadura deixou de legado à Rota a maneira brutal de combate. De 1970 a 1975, 274 pessoas foram mortas em supostos tiroteios pela cidade, mais do que a soma dos mortos e desaparecidos políticos de 21 anos de ditadura militar. Os extermínios, maquiados sempre como perseguições e resistência por parte dos abordados, era visto pelos chefes superiores da Rota como mérito por prestação de serviço à sociedade. Os matadores eram considerados heróis e, muitas vezes, influenciados pelo próprio comando.
Os assassinados encaixavam-se num perfil que raramente fugia à regra: eram, em sua maioria, jovens, pardos, de baixa renda. As circunstâncias em que eram mortos era padrão: abordagem seguida de fuga, com suposta resistência e conseqüente tiroteio. Num lapso de encoberta generosidade, o corpo era retirado do local do crime e levado ao hospital para atendimento. O fato era que ao chegar lá já estava morto.
Essa ação servia para dificultar as investigações. A realidade é que tudo não passava de uma encenação. Alguém ou um grupo era abordado, corria por impulso e era visto como ladrão ou perigoso. Não havia resistência, nem troca de tiros.
Os matadores possuíam uma marca: tiro na cabeça ou o tiro à queima-roupa. Esse tipo de característica não deveria sustentar a versão de tiroteio entre PM e abordados. Outro fator que poderia ser considerado como prova de que os tiroteios não ocorriam é a quase inexistência de sobreviventes, numa proporção de 265 mortos para cada ferido.
A impunidade foi algo presente na maioria dos “extermínios” realizados pela Rota. Os casos eram julgados por matadores, o que permitia uma sensibilidade por parte de alguém que já havia passado, ou ainda passava, por ações parecidas. Os dados eram freqüentemente distorcidos e a testemunha ouvida era sempre o PM. O assassinado era condenado por sua própria morte.
O livro não retrata somente problemas da polícia, trazendo à tona, também, os problemas da favela, discriminação racial e a imparcialidade da imprensa. O tratamento dado por esta tinha como critério a condição social do indivíduo, deixando a população de baixa renda relegada à marginalização. O número de mortos identificados e registrados pela pesquisa de Caco Barcellos foi 3.253. Entre esse número, apenas 1.496 vítimas possuíam registros de crimes – em sua maioria crimes como roubos e brigas de rua.
Poucos dos “matadores” foram julgados por seus crimes brutais, porém o livro teve um caráter de prestação de contas à sociedade, principalmente à sociedade marginalizada e esquecida – os oprimidos, como Barcellos gosta de defender.
No ano de lançamento do livro, a Rota estava matando 1800 pessoas por ano. Em 1997 foram 180. A pesquisa desenvolvida por Caco Barcellos pode não ter ajudado a julgar os matadores, mas, com certeza, mostrou à sociedade que há pessoas que fiscalizam a impunidade e que ainda agem em prol de uma parcela da população que, embora numerosa, não costuma ter voz.