Stella F.. 24/07/2024
Cotidiano de todos nós com muita poesia e um humor interessante
Poeta chileno
Alejandro Zambra - 2021 / 432 páginas - Companhia das Letras
Logo no início da narrativa encontramos uma escrita bem-humorada, sutil e irônica, que diferente da grande maioria de livros “engraçados”, me fez rir de maneira leve, sem ser exagerado e forçado.
Conhecemos o casal Carla e Gonzalo, que enquanto namoram, estão explorando suas vidas sexuais de jovens junto com a poesia que Gonzalo tenta escrever.
Carla e Gonzalo namoram por um tempo, descobrindo seus corpos, mas Gonzalo fica sabendo que ela foi a uma festa e acabou beijando um rapaz. Tenta perdoá-la, mas a relação deles esfria e ele fica em choque quando ela termina com ele.
Nove anos mais tarde, se reencontram e ele insiste em falar com ela, que nem quer saber dele, mas acabam indo para o banheiro dos fundos do bar, e transam muito. De lá transam em vários lugares. Agora seus corpos se encaixam melhor, diferente de antes, quando se sentiam estranhos juntos. Ela não quer compromisso. Ele percebe que o corpo dela mudou, e que talvez nesse meio tempo, possa ter tido um filho. Ele curioso pergunta, e ela mente que é uma menina. Não trocam os números de telefone, mas ele acaba descobrindo que ela ainda mora na mesma casa. Eles começam a se relacionar mais e de um dia para o outro, estão morando juntos. Gonzalo então descobre Vicente, filho de Carla. Gonzalo faz de tudo para se dar bem com o menino, e Vicente gosta muito dele, só não entende por que aquele rapaz dorme todo dia na casa da mãe. Agora o casal tem que achar um jeito de transar em outros lugares. Gonzalo decide que o pai de Vicente deve ser mais presente, e ao conhecê-lo não gosta dele.
Carla passa a ajudar ao pai dela no escritório dele, e resolve voltar a estudar. Decide ao invés de voltar para Psicologia, se dedicar à fotografia, e Gonzalo fica cada vez mais com Vicente. Ele brinca com o menino, leva para passear, lê histórias, faz suas vontades, ajuda nos exercícios de casa, conta piadas, ou seja, é quase um pai, mas ainda não se designa padrasto.
O pano de fundo da narrativa é a poesia, a poesia que Gonzalo tenta melhorar, mas sempre acha que não é bom. Na realidade ele quer fazer sua poesia, ser reconhecido, mas já não quer se comparar com Fernando Pessoa, nem outros grandes poetas chilenos. Enquanto isso Gonzalo dá aulas em cursinhos pré-vestibulares e aulas de literatura. Na última briga do casal Gonzalo, sem querer, confessa que Vicente estava no banco da frente e leva um sermão de Carla, porque ela o proibiu de fazer isso.
"Durante as semanas seguintes, começou a ser escrito, com um grafite feito de passeios no parque e sorvetes de pistache, um rascunho de família, mas nenhum dos dois tinha certeza se aquele rascunho poderia se transformar num livro." (pg. 67)
Gonzalo e Carla, à sua maneira, eram um casal. Até que um dia Gonzalo chega com a notícia de que irão para os Estados Unidos. Ela não gosta da ideia, mas gosta menos porque ele não comentou nada com ela, não houve um troca essencial no relacionamento. Ele já havia deixado de comentar antes, que estava escrevendo um livro. Ela ficou interessada, mas ele não estava muito seguro de que era um bom livro, e acabou lendo para ela alguns poemas de outros poetas, que ela não tinha como reconhecer, porque não lia poesia. Carla acaba o expulsando de casa, e ele fica em um quartinho da casa, até que vai definitivamente embora com seus livros. Vicente fica bastante triste, e não sabe mais como tratar o padrasto ou ex-padastro.
Carla e Gonzalo somem da narrativa por um tempo e eu sinto falta deles. Já estava gostando tanto dos personagens!
O tempo passa e Vicente vai crescendo e tentando se encontrar e entender do que gosta. Resolveu tomar posse do quartinho e acabou encontrando um jeito de habitá-lo. Primeiro tirou tudo do lugar, depois colocou de novo as estantes com livros bons e ruins, e revistas. Mais tarde decidiu que só iria colocar livros bons. (Há toda uma discussão no livro sobre o que é bom e ruim). Conhece sua primeira namorada, e ela acaba se instalando no quartinho e dando opiniões sobre os livros. Vicente, que não pensava ser poeta, em determinado momento, resolve tentar. Gonzalo manda e-mails para ele, mas Vicente não os responde, não sabe o que falar. Vicente agora tem mais tempo com o pai León, mas continua achando ele um fracassado, apesar de agora ele dizer que tudo estava correndo bem. Vicente agora está com a questão de fazer o vestibular. Ele quer adiar, diz que é muito novo, que não sabe o que quer, mas os pais não gostam da ideia. Vicente agora tem 18 anos. Um dia ele conhece Pru, uma americana de 30 anos, que caiu no Chile por acaso, e está em Santiago para fazer uma reportagem. Chega ao Chile arrasada, após terminar com um namorado e depois se apaixonar por uma amiga que a abandona com as passagens compradas. Conhece Vicente e gosta muito dele. Somos apresentados a um amigo de Vicente, Pato, que é poeta. Já é um pouco reconhecido no meio, mas é pedante, e está sempre excluindo Vicent.
Pru chegou ao Chile para fazer uma determinada reportagem, mas não deu certo. Agora, sem assunto imediato, tem observado que a poesia é quase uma entidade no país e resolve que vai ser esse o seu assunto de pesquisa para a revista. São muitos os poetas, de todos os tipos e idades. Pato cita os nomes de muitos poetas, mas Vicente é mais tranquilo, ainda não se estabeleceu como poeta propriamente, apesar de escrever de vez em quando. E Vicente vai ajudá-la no processo de pesquisa para a reportagem. Pru acaba se instalando no quartinho de Vicente, e aos poucos está entrevistando poetas jovens, que estão começando na cena poética. As entrevistas são anotadas em um caderno à parte. Carla reaparece, agora prestando atenção em Pru e o interesse que Vicente tem por ela. Todos estão ansiosos pela matéria e vaidosos pensando que sairão nela, mas nem todos são agraciados, alguns aparecem e ficam felizes e outros não, criticando a jornalista. Carla descobre o amor de Vicente, e após as entrevistas pede à Pru que vá embora enquanto Vicente, que fugiu por ciúmes, está viajando. Pru deixa uma carta de despedida. Vicente retorna de viagem e começa a escrever mais, principalmente poemas inspirados no amor pela jornalista. Aqui a poesia estará mais presente, com poetas de todos os tipos, com suas peculiaridades e perspectivas de escrever. Há muitas referências e citações de grandes poetas chilenos, e apesar de antes a poesia já fazer parte da narrativa, aqui vai estar presente o tempo todo, como um personagem. Essa parte em particular (terceira parte) achei mais arrastada. Não que não seja boa, mas achei muito extensa, e a minha falta de conhecimento de poetas, livros e músicas que são citados, engrandece a obra, mas dificultou um pouco a minha leitura, mas não o meu entendimento da trama.
Na quarta parte Gonzalo retorna à trama e descobrimos que seu livro de poesia não vingou, que ele desistiu de ser poeta. Mas quem escreveu um livro de poesia, nunca deixa de ser poeta. Gonzalo se torna um ótimo professor, muito querido, e muito sábio. Vicente é convidado a trabalhar em uma livraria, e numa tarde Vicente e Gonzalo se reencontram depois de muitos anos. Ficam muito sem graça, mas aos poucos vão conversando, não sabem como se tratar, mas vão caminhando e passam o dia todo sem querer deixar um ao outro. Vicente diz que leu o livro de Gonzalo, mas que gostou apenas da poesia sobre o cemitério, e o questiona se é sobre ele e Gonzalo esclarece. Essa parte é toda bonita! O encontro deles é cativante, emocionante, de um ex-enteado e um ex-padrasto, que eram amigos, e agora se descobrem amigos novamente. Mas como diz o autor/narrador, será que continuarão se vendo, ou só naquele dia? A vida dirá e não ficaremos sabendo, mas já torcemos para isso, por ser um encontro tão raro, de duas pessoas que a princípio não são da mesma família, mas tem empatia um pelo outro, os mesmos gostos, e Vicente, querendo ou não, herdou esse gosto pela poesia sem se dar conta. Gonzalo convida a Vicente para ir a uma de suas aulas. Ele assiste e adora.
Achei o livro uma delícia de ler, bem-humorado, poético, bonito, simples, mas também desafiador em termos de referências que descobri que não tenho e que preciso sanar, e que vai nos falar do cotidiano, que não existe uma fórmula, qualquer evento pode ser fatal para um relacionamento terminar ou começar. Um encontro entre pessoas, que podem estar ou não dispostas a ficarem juntas, apesar dos erros e das diferenças. Recomendo!