Marlo R. R. López 12/01/2010Erico Verissimo tem uma obra maravilhosa. Os seus primeiros romances, que datam da primeira metade do século XX, conseguem suscitar temas e discussões que merecem nossa atenção ainda hoje. São livros atualíssimos. 'Caminhos cruzados' é um desses romances atemporais, e digo que é um dos mais importantes em toda a bibliografia do autor - estava muito a frente do seu tempo, qualquer leitor atencioso pode perceber isso. Facilmente é um dos romances mais emblemáticos da literatura brasileira.
Todas as personagens do romance cultivam, tímida ou abertamente, um sonho. No entanto, esse sonho sempre é massacrado impiedosamente pelas torpezas do mundo real: pelas mazelas humanas, pelas dificuldades financeiras, pelas mesquinharias cotidianas. E essa é a grande poesia do livro. Os nossos sonhos, por mais belos que sejam, não suportam a realidade contundente da sociedade que exige o máximo de nós e que, se não atendemos às suas exigências (mesmo que para isso precisemos tomar decisões morais duvidosas), nos massacra.
João Benévolo sonha com leituras fantásticas, mas é massacrado pelas contas do fim do mês e pela falta de um emprego; Noel sonha com a doçura dos contos de fadas, mas tem de enfrentar os homens sórdidos e ardilosos da laia de seu pai; Chinita emula estrelas de Hollywood, mas o luxo em que vive é evanescente e vazio; o prof. Clarimundo entende Einstein e sonha com o livro que pretende escrever, mas, ainda assim, tem de pegar diariamente um bonde apertado para ir ao trabalho cansativo.
Como o próprio narrador diz a certa altura: "O mundo infinito dos sonhos é tragado pelo mundo finito da realidade."
E a realidade do brasileiro é a realidade da desigualdade social. 'Caminhos cruzados' é um livro de denúncia contra a opulência das classes ricas de uma Porto Alegre provinciana, contra o machismo e os estereótipos femininos (sim, eu disse que era um livro atual) e contra a banalização da vida na busca pelo sustento financeiro.
Uma leitura obrigatória para quem se preocupa com a realidade do povo brasileiro, ontem e hoje.