Zeka.Sixx 17/12/2021
Ácido e afiado
Ambientado em 2018, este romance é narrado por dois personagens: Egydio, um empresário milionário, beirando os 40 anos, de família aristocrática, que está cumprido prisão domiciliar após ser condenado por corrupção, e Marilu, uma bonita e cabeça-oca alpinista social que está beirando os 30 anos.
Consumido pelo tédio, Egydio passa seus dias remoendo lembranças do passado, tentando encontrar justificativa para seus atos, enquanto planeja um suntuoso banquete clandestino que pretende dar em seu apartamento.
Os capítulos narrados por Marilu são excertos de seu diário, abordando diferentes fases da sua vida, desde a adolescência até os dias atuais, passando por seus relacionamentos, suas diversas tentativas de se dar bem na vida sem fazer muito esforço.
São personagens, em geral, detestáveis, que não despertam simpatia do leitor, embora ao mesmo tempo tenham um certo charme escondido em suas visões ácidas e irônicas do mundo. Egydio, em especial, é um egocêntrico obcecado por poder e controle, lembrando muito Patrick Bateman, o protagonista de "Psicopata Americano" (inclusive, essa comparação é feita, de maneira muito pertinente, por um personagem secundário em determinada altura de "As Sobras de Ontem".
A partir dessas narrativas, que se cruzam levemente ao longo do romance, o livro expõe de maneira ácida e afiada os podres da elite brasileira, em especial a elite paulistana. Através dos protagonistas e do mundo que os cerca, testemunhamos a decadência moral da alta sociedade brasileira, num retrato que pode parecer até caricato para alguns, mas que me pareceu tristemente verossímil.
Sem querer fazer comparações, mas é um livro que, na minha visão, dialoga bastante com meu romance "Tudo o Que Poderíamos Ter Sido". Egydio é uma espécie de "César on steroids", e Marilu é uma espécie de "Lola menos ingênua". Também por isso, mas não apenas por isso, curti muito essa leitura. E o mais impressionante é que essa é a estreia de Marcelo Vicintin na literatura; estrear já de cara com um romance pela Companhia das Letras não é pra qualquer um. O melhor nacional que li este ano.