spoiler visualizarRayan GQR 14/09/2024
Amo uma crítica irônica
Uma sequência bem indireta do Memórias Póstumas de Brás-Cubas que, na minha opinião, não chega a ser tão bom quanto este, mas ainda assim tem várias qualidades.
Achei engraçado em diversos momentos, com uma ironia e uma crítica características do autor e muito bem colocadas. Como no momento que Rubião passa a entender a filosofia do finado Quincas Borba, que antes não lhe fazia sentido, porque passa a ser um capitalista rico tal qual seu falecido "mentor", culminando no entendimento da frase "Ao vencedor as batatas", que ele repete quando enlouquece e o narrador emenda como isto era de se esperar, pois a maneira mais garantida de apreciar um chicote é tê-lo o cabo à mão.
Em certos momentos ele faz pequenas pausas para criticar outros autores, ou até pra contar anedotas, tudo muito bom.
Os personagens são hipócritas, mesquinhos, mentirosos e diversas outras coisas, que confere algo de interessante à narrativa, pois, ainda que eu hesite em usar o termo "realista", que pode levar à ideia errada de que a humanidade se resume a isto, serve muito bem como crítica e exposição de diversos comportamentos característicos de um determinado recorte de uma determinada sociedade. O texto ainda se mantém relevante pois ainda vivemos numa sociedade com muitos dos conflitos não resolvidos herdados daquela época, de modo que ainda enxergamos os personagens como "realistas", como pessoas que realmente poderiam existir e não nos espantaria. Não nos chocaria tanto saber de alguém como o Palha, que busca uma ascensão social a todo custo e faz amizade com o Rubião em seu momento de prosperidade econômica, apenas para abandoná-lo quando este fica arruinado financeiramente e começa a apresentar transtornos mentais, dentre outros exemplos.
O dilema da Sofia também é interessante de acompanhar. Ela nunca de fato trai o marido, porém trata de maneira bem diferente os avanços do Rubião e do Carlos Maria, e vemos ela definhar em conflitos internos em busca de algo que claramente não é plenamente satisfeito no casamento, não exatamente porque não gosta do marido, o que não é indicado em momento algum, só porque talvez não goste só dele, talvez ainda busque algo que não lhe é permitido confessar sequer a si mesma, algo que aparece apenas em sonhos e que ela desmente quando acorda.
O relacionamento do Carlos Maria com a Maria Benedita não sei muito o que mostrou além da vaidade dele e da devoção dela, não sei se a intenção era mais tornar ele inacessível e fazer a Sofia ter as crises ou só sei lá, mostrar isso mesmo.
Um personagem que não entendi muito o que fazia na história é o Quincas Borba de quatro patas. Ele talvez dê título ao livro, é muito devoto ao protagonista, mas isso meio que não dá em nada além da morte dele, e essa morte é tão próxima da do próprio Rubião e tão sem grandes efeitos que eu não entendi muito o ponto de ter ele na história.
O livro as vezes é meio arrastadinho de ler por não ter muito acontecendo, mas não tanto porque os capítulos são bem curtinhos, o que pra mim dá uma sensação de o livro passar mais rápido. Tem umas passagens muito bonitas também, tipo de um mendigo olhando pro céu e de uns pensamentos sobre flores. Uma boa leitura. Apesar de ser o que menos gostei do Machado até agora ele ainda é muito bom, o cara realmente escrevia bem. Tem várias coisinhas que ele faz que me fizeram até ficar impressionado por eu achar que era "coisa de livro recente", tipo conversar e criticar o leitor e o momento que ele fala sobre a própria formatação dos capítulos num capítulo. Por isso que é paia essa alcunha de "Livro clássico", faz você esquecer que o livro pode ser divertido quando você não tem costume de ler "os clássicos".
Enfim, vi que o livro tá com uma má reputação pq uma galera teve que ler pra vestibular, mas ele é legal, só é uma merda ler qualquer coisa pra vestibular, dificilmente algum livro fica bom. Se alguém leu isso aqui tudo recomendo dar uma chance, ou uma segunda caso tenha lido pra vestibular, ao livro.