Hildeberto 12/07/2016Para todos os falantes de língua portuguesa, "Os Lusíadas", de Luís de Camões é um livro essencial, embora não seja fácil.
Talvez para a maioria das pessoas, "Os Lusíadas" não seja uma leitura agradável. Os motivos são vários: a linguagem utilizada não é a cotidiana, há muitas referências a mitologia greco-romana, o formato de epopeia não é usual, a narrativa não é linear ou simples, etc. Se considerarmos os livros que atualmente fazem sucesso no mercado editorial, e no Skoob (por que não?), este livro não poderia ser mais diferente.
Contudo, com um pouco de paciência e boa vontade, a leitura será muito gratificante. É um livro denso, complexo. Necessita de uma leitura compassada, silenciosa e algum tempo para a reflexão.
Os Lusíadas trata das viagem de Vasco da Gama às Índias. Luis de Camões é elogioso ao povo português, que desbravou os mares e deu "ao mundo novos mundos", navegando sobre o mar salgado (e quanto desse sal não seriam lágrimas de Portugal?). Portanto, e lembrando que o autor escreve no século XVI, não há imparcialidade: os portugueses são os mocinhos, os indianos e muçulmanos vilões (embora nem sempre). Criticar esse aspecto é risível.
As proezas portuguesas são exaltadas. Afinal, viajar pelo Oceano no final do século XV era uma aventura e tanto. E Luis de Camões conta e canta essa aventura, na qual os Deuses do Olimpo têm parte ativa. Ao lado dos lusos, o amor (Vênus) e a guerra (Marte).
A riqueza do texto, no entanto, não está exatamente na exaltação nacional de Portugal. Embora esse tema seja o principal, e considerando também o importante aspecto da métrica dos octetos (que muito me lembraram, em estrutura ritimica, a literatura de cordel, diga-se de passagem), para mim o ponto forte do livro esta na forma como o autor caracteriza os feitos. Não foram feitos por dádivas dos Deuses, e sim pelo o esforço humano. É o esforço humano que move o mundo. Além disso, o autor crítica os desmandos e injustiças dos poderosos, que favorecem quem não devem em detrimento do povo, os verdadeiros responsáveis pela grandeza de qualquer nação. Tal pensamento, no século XVI, é no mínimo, progressista. Camões traz imagens poéticas belíssimas, além de dialogar com as musas e o leitor e fazer livre uso da ironia em raras (mas memoráveis) vezes.
Na época que foi escrito, este livro era destinado não só para a leitura, como também para a recitação pública, provavelmente com o acompanhamento de um cítara ou harpa. Era destinado aos letrados, ou seja, restrito à uma pequena elite. Hoje, todos nós podemos ter acesso a obra. Talvez a dificuldade na leitura decorra desses aspectos; ou talvez tenhamos nos habituados com uma literatura de qualidade menor. Seja qual for o motivo, este livro é um desafio que merece ser aceito. O que está escrito aqui transcende línguas e nações; mas, felizmente, é algo escrito na nossa bela língua. Se os reis de Portugal tivessem seguido os conselhos de Camões, talvez o país ainda fosse uma grande nação.
No mais, destaco a edição da Abril Coleções, que traz notas explicativas muito úteis para o entendimento das referências mitológicas, geográficas e históricas.