Bru 11/07/2023
?Como um cão?
O Processo, obra publicada postumamente, conta a história de Josef K., banqueiro e homem de poucos mistérios. Certa manhã, K. desperta em seu quarto alugado e estranha a ausência de seu café da manhã. Intrigado, aguarda a chegada da empregada com sua refeição matinal. No entanto, para sua surpresa, quem cruza a porta do quarto não é a empregada atrasada e sim dois agentes que o intimam a comparecer a um Tribunal onde será julgado em seu, até então desconhecido, Processo. Porém, em nenhum momento é nomeado o crime ao qual está sendo acusado e a história desenrola-se a partir disto.
Lendo "O Processo" é possível compreender o porquê de Kafka pedir, em seu leito de morte, que todos seus escritos fossem queimados. É uma obra visceral, crua, sufocante e quase, para não usar de imperativos tão pesados, indigesta. Acompanhamos, junto com K., as angústias e paranoias desencadeadas por uma acusação que não é nomeada, mas, que mesmo assim, é sentida e vivida. Impossível não trazer a psicanálise para dentro das obras de Kafka, pois seus personagens são a materialização das experiências vivenciadas pelo próprio autor. Durante a leitura, questões como moral e culpa são explorados com maestria; o peso do julgamento social é tão presente que o sentimos de modo obsessivo, "metamorfoseando-o" em um Tribunal, onde os Advogados agem como representativos dos "mecanismos de defesa" ativados como barreira a esse julgamento e as mulheres podem ser entendidas como os desejos libidinais recalcados que ressurgem de modo indesejado no consciente. As comparações entre humanos e cães dentro da história nos levam até o contexto histórico vivenciado, que bebia das águas do autoritarismo pós primeira guerra mundial.
Foi um livro difícil de ler. Não necessariamente por conta dos acontecimentos e seus desenrolares, mas principalmente com a identificação pessoal e o reconhecimento de que, ainda hoje, somos sujeitados aos mesmos Tribunais, passamos pelos mesmos Processos e seguimos morrendo como Cães.