spoiler visualizarMarcos 23/12/2022
Se não compreendeu, leia novamente
Os livros de Kafka não são fáceis, alguns inacabados e outros necessitam de uma base para compreensão. O Processo não é diferente, você provavelmente vai precisar de uma leitura de Dostoiévski ou de política para entender. E é a partir desses dois pontos que faço minha análise do livro, portanto, já alerto que não concordo com a visão ontológica que fazem da história em que colocam Joseph K. em um julgamento metafísico.
Uso Dostoiévski para analisar O Processo porque Crime e Castigo foi uma das inspirações de Kafka para esse livro. É óbvio que Joseph passa por uma tortura psicológica bem ao estilo Raskólnikov, a diferença para mim é que, diferente do personagem de Dostoiévski, Joseph K. não possui culpa por um crime cometido mas culpa por um processo que busca a todo momento afirma-lo como condenado. Ou seja, sua culpa é criada a partir do processo e não de um crime.
O segundo ponto de análise é político e jurídico. O histórico que fiz é mais completo nesse ponto, portanto recomendo a leitura destes também. Para além do absurdo que seria ser processado ser saber qual o crime cometido, mais absurdo seria ser condenado a morte sem saber o motivo. Mas esse não é o principal problema em O Processo, pois esse é o cerne do universo kafkiano: o absurdo da situação. O maior problema desse universo é o sistema do processo que fica evidente no que é chamado de "textos introdutórios à lei". Onde um conto sobre um fazendeiro e um porteiro explica o sistema. Um porteiro que não sabe o que é a lei busca impedir um fazendeiro de conhecer a lei porque assim foi orientado. Ambos ficam durante anos no jogo de crença no poder que se torna poder. Até que o porteiro manda o fazendeiro embora porque não há mais tempo. Ou seja, o sistema exige devoção. Ao não se submeter ao sistema, você é condenado. Não se trata de pecado original ou crime, mas de exercer poder através da idolatria e crença no sistema. Assim funcionava o sistema jurídico de O Processo. O culpado deveria crer no advogado, no oficial de justiça, no juiz, nos secretários dos cartórios e no processo. Porque não era necessário um crime, era só uma forma de exigir submissão. Ao menos, foi essa minha interpretação. Um ótimo livro, mas é necessário se embrenhar em Kafka e ir além.