Fabio.Nunes 21/10/2024
O que nos faz humanos?
Frankenstein ou o Prometeu moderno ? Mary Shelley
Editora: Darkside, 2023.
Sabe aquele monstro verde, meio boçal, gigantesco, formado por partes de outros corpos? Então, ele não se chama Frankenstein e, na verdade, não tem nem muito a ver com o monstro que nos é apresentado nessa obra.
Dito isso, este livro nos apresenta um romance semi-epistolar onde conhecemos a história de Dr. Frankenstein, um jovem de família rica que resolve estudar numa universidade e, em sua avidez por conhecimento, consegue dar cabo a um sonho: dar vida a um objeto inanimado.
Este objeto é um monstro gigantesco, horrendo e que causa repulsa e medo em quem o vê.
Frankenstein, diante do sucesso de sua empreitada fica terrivelmente assustado quando a criatura abre os olhos, e assim foge, largando-a à sua própria sorte.
Evitando os spoilers, o que posso dizer é que o desenrolar dessa história culmina numa tragédia, onde a morte é a grande redenção.
Entrando nas camadas da obra, Mary Shelley nos apresenta uma crítica a uma sociedade industrial em grande expansão, cujo mote principal era o domínio da natureza e de todas as coisas por meio de uma ciência sem base ética. Uma sociedade também apresentada como vinculada unicamente às aparências, e não às essências.
Ao longo do texto, a criatura ? que não possui nome ? demonstra uma forte necessidade de afeto, de capacidade de sofrimento e de raciocínio. Frankenstein, por sua vez, é um arrogante que renega sua criatura, julgando-a unicamente por sua aparência horrenda, sendo incapaz de sentir compaixão e travando uma árdua luta psicológica para tentar voltar a viver uma vida normal. Confesso ter sentido muita dó da criatura em diversos momentos, o que me fez refletir sobre qual dos dois seria o mais humano (o criador ou a criatura?).
Uma abordagem que vi ser aplicável aqui é entender a criatura como um elemento do próprio Frankenstein, parte de sua própria psiquê ? seu duplo antagônico. O livro seria, portanto, uma luta de Frankenstein contra seu monstro interno. Tanto verdade que Frankenstein não tira a criatura do pensamento e vive perseguido pelo monstro, dando a conotação de que criador e criatura são uma entidade só.
A vingança perpetrada na narrativa é justificada por um elemento filosófico subjacente: o homem nasce bom e a sociedade é que o corrompe.
As críticas negativas ficam, em primeiro lugar, pelo elemento filosófico supramencionado, coisa da qual discordo. Em segundo lugar, a leitura da obra afetou minha suspensão de descrença, pois alguns elementos não são bem amarrados e certas ocorrências parecem ser puras conveniências de roteiro.
No fim, vale a leitura pelo peso da obra e do que ela representa, não só na literatura, mas para as próprias mulheres.
"Aprenda de mim - se não de meus ensinamentos, ao menos de meu exemplo - quão perigosa é a aquisição do conhecimento e quão mais feliz é o homem que vê o mundo como sua cidade natal do que aquele que aspira tornar-se maior do que permite sua natureza."
"Um ser humano maduro deve sempre preservar a mente calma e pacífica e nunca permitir que a paixão ou o desejo transitório perturbe sua tranquilidade. Não creio que a busca pelo conhecimento seja uma exceção à regra. Se o estudo a que a pessoa se dedica tende a enfraquecer seus afetos e a destruir o gosto pelos prazeres simples que não admitem mistura alguma, então esse estudo certamente é ilegítimo, ou seja, não condizente com a razão humana."
"Acusa-me de assassinato e, todavia, com consciência tranquila, destruiria a própria criação. Oh, louvo a eterna a justiça do homem!"
"Aprendi que os bens mais estimados pelas criaturas eram a alta e pura descendência e riquezas. Um homem apenas poderia ser respeitado caso possuísse uma dessas vantagens, mas, sem nenhuma das duas, exceto em casos muito raros, era considerado como vagabundo e escravo, condenado à desperdiçar suas capacidades em prol do lucro de uns poucos escolhidos.!"
"No entanto, minha não será a submissão à escravidão abjeta. Vingarei-me de minhas dores. Se não puder inspirar amor, causarei medo..."