Lucy Morningcraft 17/10/2024
Crítica Literária: Frankenstein, de Mary Shelley
Introdução: A Origem de um Clássico
Frankenstein, ou O Prometeu Moderno, publicado pela primeira vez em 1818, é uma obra fundamental não apenas na literatura gótica e de terror, mas também no surgimento da ficção científica. Mary Shelley, com apenas 18 anos, criou uma narrativa fascinante sobre ambição, responsabilidade e os limites do conhecimento humano. A história de Victor Frankenstein e sua criação transcende seu contexto histórico, permanecendo relevante até hoje, com temas que exploram o papel da ciência, o isolamento social e o peso moral das decisões humanas.
A Narrativa e a Estrutura
O livro é contado por meio de uma narrativa epistolar e em múltiplas camadas: começa com as cartas do capitão Walton a sua irmã, revelando a história de Victor Frankenstein, que, por sua vez, conta como deu vida à criatura que passou a persegui-lo. Essa estrutura em camadas, embora interessante, pode ser um desafio para o leitor. Em alguns momentos, a narrativa parece lenta e prolixa, especialmente porque Shelley utiliza uma linguagem densa e carregada, típica do período romântico, com longas descrições de paisagens e estados emocionais.
A escrita poética e detalhista da autora é, ao mesmo tempo, uma qualidade e uma dificuldade. Ela cria uma atmosfera melancólica e reflexiva, mas pode cansar leitores contemporâneos que esperam uma narrativa mais direta. O ritmo é irregular: enquanto algumas partes são emocionantes e cheias de tensão, outras se arrastam, dando a sensação de que a história demora a engrenar.
Personagens: Monstros e Humanos
A profundidade psicológica dos personagens é um dos pontos mais fortes do livro. Victor Frankenstein é um protagonista complexo, dividido entre a paixão pelo conhecimento e o peso de sua culpa. Sua obsessão pela ciência e pela criação de vida é tanto fascinante quanto trágica, pois ele se revela incapaz de lidar com as consequências de seus atos. Victor não é um herói, mas um homem falho que toma decisões irresponsáveis, o que gera questionamentos sobre o papel do criador e sua responsabilidade ética para com suas criações.
Por outro lado, a criatura ? frequentemente chamada de ?monstro? ? é uma das figuras mais marcantes da literatura. Shelley desafia o leitor a simpatizar com esse ser rejeitado pela sociedade e por seu próprio criador. A criatura começa como um ser inocente, em busca de aceitação e carinho, mas a rejeição constante e o isolamento transformam sua natureza, despertando nela o ódio e o desejo de vingança. Essa dualidade entre criador e criatura é central na obra e levanta questões sobre natureza versus criação: o monstro nasceu mal ou foi a sociedade que o corrompeu?
Temas e Reflexões Profundas
Frankenstein é uma obra rica em temas filosóficos e éticos. Um dos temas centrais é a ambição científica desmedida e os limites do conhecimento humano. Victor Frankenstein é frequentemente visto como um reflexo da figura de Prometeu, o titã que roubou o fogo dos deuses para dar à humanidade, e sofreu por isso. Da mesma forma, Victor ultrapassa os limites da ciência ao criar vida, mas paga caro por sua arrogância e falta de responsabilidade.
Outro tema relevante é o isolamento e a rejeição. A criatura é um símbolo da marginalização social e dos perigos de se ignorar ou rejeitar aqueles que são diferentes. Shelley questiona: até que ponto a sociedade é responsável pelos monstros que cria? A narrativa sugere que a falta de empatia e o medo do desconhecido podem transformar até mesmo o ser mais inocente em uma ameaça.
A obra também antecipa discussões sobre bioética e o impacto das descobertas científicas. Embora tenha sido escrita em um contexto anterior à revolução tecnológica e científica do século XX, Frankenstein se mantém atual ao questionar a responsabilidade moral dos cientistas e a necessidade de ponderar as consequências de suas inovações.
Pontos Negativos: Ritmo e Linguagem
Apesar de sua profundidade, Frankenstein pode ser uma leitura desafiadora. A estrutura epistolar e as mudanças de perspectiva, embora interessantes, podem confundir leitores que preferem uma narrativa mais linear. Além disso, o ritmo irregular e as descrições extensas tornam algumas partes do livro tediosas. Shelley se demora em detalhes e reflexões que, embora aumentem a atmosfera da obra, podem parecer excessivas para leitores mais acostumados a histórias ágeis.
Outro ponto que pode frustrar é a falta de ação direta. Muitos leitores esperam um enredo centrado em perseguições e confrontos entre Victor e a criatura, mas grande parte do livro é dedicada a monólogos internos e reflexões filosóficas. Isso pode dar a impressão de que o conflito central é adiado por tempo demais.
Vale a Pena? A Experiência Final
Apesar de suas dificuldades, Frankenstein é uma leitura recompensadora. A profundidade dos temas, a complexidade dos personagens e as questões morais que a obra levanta fazem dela uma experiência marcante. Shelley não entrega apenas uma história de terror; ela nos oferece uma reflexão sobre a condição humana e a responsabilidade que temos pelo mundo que criamos.
A relação entre Victor e a criatura é um espelho das nossas próprias falhas enquanto sociedade: quantas vezes rejeitamos aquilo que não entendemos? Quantos ?monstros? não são criados pela falta de empatia? É essa profundidade que faz de Frankenstein uma obra relevante até hoje, desafiando o leitor a pensar além da superfície da narrativa.
Conclusão
No fim das contas, Frankenstein vale a leitura, apesar de seus momentos lentos e linguagem densa. A obra nos envolve em uma teia de reflexões filosóficas e éticas que vão muito além de uma simples história de horror. Mary Shelley nos lembra que, assim como Victor Frankenstein, somos responsáveis pelas coisas que criamos ? sejam elas tecnologias, ideias ou comportamentos sociais.
Superar os trechos mais arrastados vale a pena, pois Frankenstein não é apenas um clássico da literatura gótica, mas uma obra que continua a ecoar, desafiando leitores de todas as épocas a enfrentar suas próprias criações e responsabilidades.