DaniBooks 17/03/2020
O HOMEM QUE RI
Victor sempre me encanta. E com O Homem que Ri não foi diferente.
Aqui, acompanhamos a trajetória de Gwynplaine, uma criança que foi deformada por uma gangue chamada comprachicos. Essa gangue pegava crianças abandonadas e as transformava em atrações grotescas de circo. Gwynplaine teve seu rosto deformado e um sorriso eterno estampado na face.
Por questões políticas, Gwynplaine foi abandonado pelos comprachicos em um porto inglês, em uma noite de neve e tempestade. No seu caminho, ele salva uma bebê da morte e encontra abrigo na casa ambulante de Ursus, um homem que ganha a vida se apresentando como filósofo e até como médico. É um homem pobre, que tem como única companhia um lobo: Homo. Ursus abriga Gwynplaine e a bebê, que passa a se chamar Dea. Dea, por ter ficado exposta ao frio e à neve por muito tempo, é cega.
Esse grupo insólito se apresenta toda noite para poder sobreviver. Gwynplaine e Dea crescem apaixonados, um amor idealizado e puro. Ele vira saltimbanco e passa a ser conhecido como O Homem que Ri. Tudo vai relativamente bem, até o momento em que resolvem partir para Londres. Lá, fatos extraordinários mudam a vida de Gwynplaine e põem sua nobreza de caráter à prova.
Mais uma vez, Victor Hugo escreve sobre os miseráveis, sobre os renegados, sobre os excluídos, sobre o grotesco, mas também sobre o sublime. E o sublime é sempre o amor.
Mais uma vez, vemos a crítica ácida à nobreza e à aristocracia, dessa vez inglesa, a ironia, o apreço pela República e pela Democracia, o grito por igualdade social, o desprezo pelo abuso de poder e pelo descaso com as massas.
Gwynplaine é visto como um monstro, todos riem dele. E a única que enxerga sua verdadeira face é Dea, a cega. O sorriso de Gwynplaine é o sorriso do povo: triste, falso, resultado de violência e mutilação social.
Pleno de personagens marcantes, O Homem que Ri nos brinda, mais uma vez, com a escrita espetacular de Victor Hugo: uma escrita delicada e crua, emocionante e chocante, rica e cheia de recursos. É tudo amarrado, tudo se encaixa, não há nenhuma ponta solta. Tudo tem um propósito, nada é gratuito. É uma verdadeira aula.
Só não ganhou 5 estrelas porque houve um momento em que a prolixidade do autor me cansou. Mas foi um quase nada em meio a essa história maravilhosa.
O final é doído, é triste, digno do auge do Romantismo. Confesso que não esperava esse desfecho, ansiava por algo mais alentador. Porém, ele é coerente com todo o enredo.
Obviamente, você deve ter se lembrado do vilão dos quadrinhos, o Coringa, durante a leitura dessa resenha. Sim, aqui está a origem desse palhaço das trevas. Gwynplaine e Coringa não têm, a princípio, muito em comum, a não ser o sorriso perpétuo, que simboliza tanta coisa. Porém, assistindo ao último filme do vilão do Batman, percebemos que há muitos paralelos entre esses dois personagens sim. Aconselho ver o filme após a leitura do livro.
Enfim, mais uma obra prima desse autor francês que eu adoro. Uma obra injustamente pouco comentada e meio esquecida. Vale muito a pena a leitura; é uma experiência enriquecedora.