spoiler visualizarMaria 10/08/2021
A fraqueza de uma mulher: amar sem questionar.
Com uma inegável habilidade com as palavras, JCO usa as suas histórias para fascinar, atiçar e...por que não?... assombrar o leitor o tempo inteiro :p Suas tramas são altamente provocadoras, pois nada é exatamente como em princípio se mostra. Ela nos conta histórias e mais histórias e, creio, o faz com uma astúcia que encontrei em poucos autores.
Nunca a ideia de que “o diabo mora nos detalhes” ficou tão evidente quanto no momento em que entrei em contato com a obra desse gênio literário da contemporaneidade (lugar comum, eu sei, mas EXATO). Não há mocinhos ou bandidos nas histórias da JCO. Se você leu e conseguiu “classificar” de forma sistemática e ordenada cada personagem, esqueça. Não há anjos ou demônios: são todos humanos, cruel e fatalmente humanos, dolorosa e impiedosamente humanos.
Os homens, claro, quase sempre são os sujeitos ativos da violência (ou vai jurar que na “vida como ela é” não é assim? Rá!); no entanto, JCO, gloriosamente, nada tem de maniqueísta, aleluia! Esses mesmos homens não são pura e simplesmente predadores mas, cativos da mesma violência que propagam, inevitavelmente presas, envoltos em uma ciranda de horror que faz da vítima o carrasco e vice-versa. Neste aspecto, pode-se dizer que JCO representa bem aquilo que Faulkner dizia “amar a humanidade inteira”(como só os grandes conseguem).
Bem, especificamente quanto à obra em questão, a parte em que ela tratará de uma relação “amorosa” - para não dizer exatamente o contrário- entre a protagonista e o seu empregador chamou particularmente minha atenção, embora seja um tema menor circundando o tema maior (o abandono familiar extremo, criando um “campo de concentração” emocional em torno da personagem).
É incrível a habilidade -sim, ela merece o uso recorrente de tal substantivo abstrato :P)- com a qual JCO consegue descrever a evolução de uma relação abusiva. A empregada que, impressionada pelo patrão, permite-se ser envolvida por ele. É importante destacar como o mito da mulher “desprotegida” ansiando pela salvação - materializada pelo “amor” (proteção) de um homem - alimenta esse padrão de relacionamento. Para uma garota que havia sido cruel e dolorosamente rejeitada pela própria família – sendo que a figura paterna foi decisiva para que se operasse tal rejeição -o fato de despertar o interesse em um homem tão “respeitável” adquire uma imensa carga simbólica. Aquele homem, de alguma maneira, consegue ocupar o lugar paterno na existência da nossa “rata”; e, consequentemente, agirá com a mesma crueldade desse pai no desenrolar do relacionamento (spoiler, eu sei, mas duvido que alguém tenha realmente se surpreendido, embora um sábio homem tenha dito certa vez algo como “a verdade verdadeira é sempre inverossímil” :P)
O resto você descobrirá lendo o livro. E, assim como ocorreu comigo, espero que seja apenas o início de uma longa e duradoura história de admiração e cumplicidade literária com uma das mais fascinantes autoras dos séculos XX e XXI. E que venha o Nobel (e, caso não venha, será apenas mais uma entre dezenas de autoras brilhantes que a academia sueca não teve a sensatez de premiar :P).